quarta-feira, 23 de outubro de 2013

E agora?

Agora, o tempo não anda. Parou, foi um estalo de dedos divino que o Mundo não ouviu, só eu e o meu tempo. Para quem rodeia o espaço onde o meu corpo vagueia vazio, foi um piscar de olhos. Para mim, é um labirinto eterno de gelo, dor de barriga e, sobretudo, ódio. Felizmente, a carcaça que alberga aquilo que posso chamar "eu" está programada para o auto-piloto. Os membros mexem-se sozinhos, os dedos trabalham sozinhos, a voz fala sozinha. Eu é que não estou lá. Estou perdido, algures, num sítio que diversas teorias teimam em apelidar de "karma". Eu prefiro destino. É bem menos exótico, mais frio, mais real, mais doloroso. Mas principalmente, dissimulado. Porque por vezes, torna-se invisível e eu julgo estar finalmente livre dele, da força gravítica que ele exerce no que vai restando da minha alma, das palavras azedas com que ele corrói o meu ser, das memórias que ele me mostra, perdendo a cor e a vida para darem lugar ao cinzento doloroso e morto com que ele as impregna. Só que o destino também é manhoso. Basta uma fracção de segundo para me aprisionar de novo e eu ficar, novamente, perdido. E agora? Agora, o tempo não anda. Maldita a hora em que eu quis parar o relógio.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Outono.

Uma folha cai. Castanha, cansada, com o verde a fugir pelas linhas duras da sua forma geométrica. É o Outono que regressa. Com ele, regressam os ventos, portadores de memórias do que um dia esta época significou. Identifico a sua chegada com o arrepio pelo meu corpo, causa-efeito da electricidade estática que o que dissemos carrega, solto no ar. Já não estou onde os meus sentidos me dizem que estou. Fui onde o meu coração me levou. A um banco, num jardim, em frente a um miradouro, com Lisboa a olhar para mim. No meu colo, pela primeira vez, soltas as tuas emoções, os teus receios, os teus desejos, as tuas esperanças, o teu ser. Quando tento afagar tudo o que me dás, acabo por afagar apenas a minha perna. Estou num degrau, numa qualquer rua, em frente a uma estrada, com Lisboa a olhar para mim. No meu colo, as minhas mágoas, a minha dor, as minhas lembranças, as minhas incertezas, a minha saudade. E uma gota de chuva, ácida. Olho para cima, para me abrigar do temporal, mas engano-me. Não estão nuvens no céu. Apenas a memória de quando o Outono foi sentir-te e não lembrar-te.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O homem tatuado.

Não havia jaulas nem grades nem paredes nem bloqueios nem paredes nem muros nem nada. Havia sim, um homem sentado, todo tatuado. O que pairava no ar eram palavras, munidas de sons familiares para os seus ouvidos adormecidos. Levanta-te! Deita-te! Tu mereces isto! Tu tens que te continuar! Tu tens que seguir em frente! Tens que viver! Não podes alimentar-te do passado! Não passavam de palavras. As palavras, assim, sozinhas, apenas proferidas, têm um efeito balsâmico apenas na imaginação. Na realidade não passam disso. Criações humanas para combater a solidão que nos é inerente. O homem tatuado não se levanta nem as tenta imbuir de acções. Foi assim que ganhou as suas tatuagens. Escritas a sangue. Tu és uma merda. Tu não sentes nada. Tu és um monstro. Tu não mereces nada. Perdeste tempo demais. Agora já é tarde. És um manipulador. Não prestas. Todas estas tatuagens fazem pressão extra na pele do homem tatuado. De cada vez que as tentou negar, as acções voltavam a provar a verdade da sua fraqueza, enfim, da sua condição humana. E doíam. Não na pele. Não nos órgãos internos. Não no corpo. Doía num espaço secreto, que só descobrimos quando transformamos o futuro em passado, por não ligarmos ao presente. O homem tatuado já quase não tem pele, ou carne, ou ossos, ou corpo, ou forma. Tem as palavras tatuadas na sua existência, porque ele já tentou arrancar a dor, escavando até ao fundo de si mesmo, sem restar mais por onde escavar. As vozes continuam, as palavras também. O homem tatuado continua sentado. Volta a sentir dor. Volta a tentar arrancá-la. Já não tem mais sangue para deitar, lágrimas para escorrer, força para continuar. Já não tem nada, senão as suas tatuagens. Escritas a sangue. Tu és uma merda. Tu não sentes nada. Tu és um monstro. Tu não mereces nada. Perdeste tempo demais. Agora já é tarde. És um manipulador. Não prestas.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O teu aroma.

Está um aroma familiar no ar.
Cheira a sorrisos sinceros,
A gargalhadas que só
O cristal da tua genuinidade
Poderia retinir.

Ansioso, procuro pela sua proveniência.
Vai intensificando, com travos
Do teu olhar com sabor a avelâ,
Dos teus cabelos, deliciosos fios
Cozinhados pelo calor da tua existência.

Fica tão forte, que quase perco a vista.
Corro, para conseguir alcançar
A tua pele morena, tingida pelo
Sol que tanto amas, tão viciante
E charmosa como a tua alma.

Quando lá chego, vejo que me engano.
Não és tu que soltas o aroma.
É a saudade, eterno manipulador
Da minha vontade de existir.
Tu vais lá ao longe, com outro aroma.

Aroma de renovação.
Aroma de mudança.
Um aroma que não é o teu.
Porque já não é o que partilhámos.
Esse, fica só nas minhas feridas.


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O Amor da minha vida.

Sabes o que é ridículo? Perdi este tempo todo a procurar em todos os que me rodeiam o sorriso que apenas tu me sabes dar. Eu sempre soube que só poderia voltar a ser feliz se não te deixasse ir embora. Mas não quis que chorasses mais. Não quis que estivesses com um traidor. Não quis que estivesses com quem os teus pais não iriam aprovar. Não quis que estivesses com quem os teus amigos não iriam aceitar. Não quis que tivesses de sofrer por estar com quem amavas. Meti na cabeça que só irias ser feliz se me deixasses de amar. Estúpido, não reparei que, à medida que isso ia acontecendo, eu ia morrendo. Átomo a átomo, ia desaparecendo. Então disse-te, quero-te. Então disseste, vieste tarde demais. Tentei, em desespero, arrancar tudo o que tinha dentro de mim, com raiva da minha inércia e burrice. Só encontrei o vazio. Vazio de tudo o que arranquei para suportar a dor de não ser o homem da tua vida, de não ser perfeito para ti, de te ter traído, de ter fingido que o melhor era não estarmos juntos. Agora grito, em desespero, para ouvir o meu próprio eco. Tento sorrir, para que não te tenhas de preocupar. Mas não consigo. Não porque queira que te sintas mal, mas porque já não o tenho. Bem como o meu coração e tudo aquilo que tinha de bom, aliás. Foste quem encontrou algo positivo em mim, foste quem ficou com isso e levou para longe de mim. Sabes o que é ridículo? É eu acreditar ainda na vã esperança de que um dia voltaremos a estar juntos, porque amores assim só acontecem uma vez na vida. O ser humano é mesmo assim, masoquista. E enquanto tiver pele para arranhar e cortar, continuarei a sentir esperança. Que possas sorrir e encontrar a verdadeira felicidade.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Farto.

Estou tão farto de olhar para o vazio. De procurar nas sombras do que não existe aquilo que a minha memória retém. De saborear o resto das entranhas do passado. De cheirar o perfume do deserto que sobrou do jardim onde reguei a minha felicidade. De ouvir os sorrisos silenciosos duma película onde já fui actor principal. De tocar nas curvas dos erros e das injustiças daquilo que, antes do meu toque, era perfeito. Estou tão farto, mas tão farto de caminhar sozinho. De ouvir uma porta entreabrir, fechando à velocidade da luz assim que falta uma fracção de segundo para a transpor. De ver uma luz ténue, a acompanhar-me para o que eu julgo ser o fim do túnel, desaparecendo assim que a ilusão ameaça tornar-se realidade. De sentir uma mão vinda da escuridão, acompanhando-me pela corda bamba que se torna precipício sem fundo assim que procuro o resto do braço. De cheirar o perfume dum Mundo melhor, imediatamente mascarado pela podridão dos fragmentos do meu interior. De saborear o doce das borboletas no estômago, para se metamorfosearem em traças corroendo-me por dentro assim que as deixo entrar. Estou farto. Estou tão, mas tão farto de ter esperança em tornar plural o que merece apodrecer singular. Estou farto de mim.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A Solidão.

A solidão é um sentimento muito engraçado. Parece-se com as mãos dum ilusionista. O ilusionista não usa luvas, mostra-nos vezes e vezes e vezes e vezes sem conta que não tem segredos nenhuns que possamos ver. Mas quando menos esperamos, algo prodigioso acontece, vindo das profundezas mágicas contidas no estalo de dedos do mágico. Com a solidão é o mesmo. Achamos possível dominá-la, conhecer as suas manhas, saber que ela não passa da insegurança elevada à razão da nossa resignação pessoal. Mas de repente, sem que tivéssemos tido oportunidade de olhar duas vezes, ela estala os dedos e estamos sós. De novo. As vozes de fundo, os corpos ao lado, os objectos mortos, as palavras vazias, os sentimentos que se passeiam sem nos serem direccionados. E aí, ouvimos as palmas. O truque funcionou de novo. Novamente os apertos de mão, os esgares surpreendidos, os votos de companheirismo sóbrio e, portanto, sem sentido. Não estás só. Estás rodeado de amor e carinho. Estás rodeado de tudo aquilo que precisas para ser feliz. Pois. Apenas não percebem que o truque não é esse. O truque é que não sou eu que vêem. Apenas uma miragem, projectada pelo olhar frio e sem remorso da solidão. Eu fico preso, enquanto o truque decorre, dentro das imagens e cores e sons e sabores daquilo a que um dia chamei "amor". O que mais custa no truque é quando saio e vejo que, cá fora, não existe nada. Apenas a solidão, vestida de preconceitos e inseguranças, a olhar fixamente para mim, à espera do segundo em que não consigo esquecer-me de que ela existe. Do segundo em que volto a olhar para as suas mãos. Do segundo em que ouço o estalar de dedos. Do segundo em que me volto a refugiar na dor familiar daquilo que foi o meu sorriso. Do segundo em que o truque acontece.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O balouço.

Andar num balouço tem tanto de divertido como de vertiginoso. As certezas, ao balouçar, passam a ser memórias distantes dum livro abandonado. Desenganem-se os que catalogam o balouçar como brincadeira de criança: é assunto sério e bastante adulto, sublinhe-se. Quando nos encontramos lá, entramos, às vezes sem consciência disso, no subtil paradoxo da viagem de dois sentidos. E o que, inicialmente, se afigura só como um presente aos nossos sentidos, ganha velocidade e ímpeto numa relação directamente proporcional à perda de controlo e domínio que daí advém. No fundo, quando damos por nós, o balouço já descolou, tornando-nos meros espectadores do brinquedo que um dia tentámos, inutilmente, pilotar. Quando se chega a esse estado, só existem, na verdade, duas opções. Ou se salta para o mistério, ou se trava em segurança. O problema está em saber aquilo que realmente queremos. Porque o balouço e tudo aquilo que representa alimenta-se dos binómios que tanto tentamos ignorar até nos despedaçarem, fissuras abertas dum terremoto por acontecer. Custa muito escolher entre parar a brincadeira, esquecer a adrenalina do balouço, voltar ao ponto de partida incólume e saltar para o que não conhecemos, quebrarmos as barreiras do que somos e pelas quais nos regemos, fechar os olhos para não antecipar a inevitável queda. Eu vejo-te, nesse balouço. Balouças a uma tal distância e velocidade que, por muito que queira, não sou grande ou forte o suficiente para te ajudar. Mesmo que o fosse, seria inútil. Quem controla o balouço és tu. Por isso vou continuar, espectador ansioso, a ver-te balouçar. O balouço tem tanto de divertido como de vertiginoso. As certezas, ao balouçar, passam a ser memórias distantes dum livro abandonado. No entanto, há uma que podes guardar. Saltes para o vazio ou pares o balouço, não sairás dele sozinha, estou aqui para te ouvir dizer, eu fiz porque quis.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

As palavras.

Por vezes, a palavra escrita tem mais impacto. Porque, para ser escrita, tem que ser digerida segundo todos os seus sentidos, de forma a que a nossa alma possa ser lida em cada uma das suas sílabas. A palavra falada, no entanto, é exactamente o contrário. Quanto menos tempo levou a ser criada, mais de nós ela encerra. O problema reside quando aquilo que queremos transmitir é, em tudo, contrário ao que não evitamos sentir. Ou porque não temos o dom da falácia, arte soberana das palavras vazias. Ou porque não temos o talento para o silêncio, encorajador duma cadência mais natural e fluida. Ou porque, simplesmente, não mostrar custa mais do que mostrar. Mas o destino é assim. Não é uma via rápida pelos nossos desejos e vontades. Às vezes, podemos, por pressa ou falta de orientação, passar por um lugar onde poderíamos ser felizes. No entanto, a felicidade tem tanto de madrasta como de irónica, pois, tal como uma viagem sem mapa, podemos vir, noutro momento, a reencontrar a terra que um dia achámos igual a todas as outras.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Sou o que precisas que seja.

O momento decisivo
Em que a compreensão
Se tornou realidade,
Esfuma-se nas dúvidas
Criadas pelo oposto
Da minha vontade.

Mas nem por isso deixa de existir.
Mesmo quando o destino
Está pintado numa tela diferente
À que usámos para o criar,
As cores não deixam de ter o calor
Suficiente para nos alegrar.

Mesmo quando as palavras
Contam uma história diferente
Das acções que nos guiaram à confusão,
A força que cada um tem
Não deixa de nos cativar,
Num rodopio de deliciosa ignorância.

Por isso, aqui continuo.
Talvez para ti seja mistério
O que para mim é certeza.
Mas não importa o que julgamos saber,
Pois não ambiciono a mais
Do que aquilo que precisas que seja.

domingo, 25 de agosto de 2013

Carta de amor.

Olá. Acho que nunca te escrevi nada. Pelo menos assim. Mas penso que, com tudo o que passámos, mereces aquilo que nunca te dei. Uma carta de amor. Já estivemos tão apaixonados. Já estive tão pronto a deixar tudo o que me rodeia apenas para poder flutuar nessa confiança, nesse prazer sórdido que me davas. Contigo, sentia-me o rei da montanha. O epitomo dos valores. O líder ideológico duma geração por nascer. Sentia-me mais poderoso do que todos os exércitos, o mais forte de entre os homens, o filho renascido de Deus. Em suma, bêbedo. Porque nunca percebi que me usavas. Para inchares e inchares e inchares. Até conseguires cobrir todas as pessoas que me rodeavam. Todos os sítios que me rodeavam. Tudo o que me rodeava. Assim, só existíamos os dois. De tão embriagado que estava, acreditei que assim era feliz. Mas tu quiseste ser mais ambicioso. Quiseste inchar ainda mais. E houve quem procurasse por mim. Quem perguntasse por mim. Quem olhava para mim e não me via. Porque me cobriste com todo o teu esplendor, criado apenas pelo calor de palavras vazias de acções. Um dia rebentaste. E desapareceste. Deixaste-me completamente nú, num sítio onde não conheço ninguém, onde não consigo andar, onde não me sinto feliz, onde não me encontro, onde sofro. Tudo, para que pudesses chegar aos teus limites. Hoje, tento ser feliz de novo. Mas tem sido tão difícil. Graças a ti, que me expuseste. Por muito que me tente, a cada desafio proposto pelo caminho à minha frente, resguardar-me e parecer alguém completo, não consigo. Porque quando explodiste, explodi eu contigo e agora não sou inteiro e isso nota-se. Sou apenas fragmentos colados à pressa de alguém que se apaixonou por si mesmo. E a cola tem demorado tanto, mas tanto a secar. Tudo por tua culpa. Tu, que tanto amei, sem perceber a cegueira de se amar o próprio reflexo.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Feedback.

Obrigado. Porque me tens acompanhado. Porque o teu timing de entrada na minha vida não podia ter sido mais propício. Porque me tens ouvido e não o fazes calada. Porque falas de ti e não gostas que ouça calado. Porque tens, por personalidade ou gosto, aceite receber todas as minhas inseguranças, amarguras e defeitos. Porque tens, por personalidade ou gosto, retribuído com as tuas inseguranças, amarguras e defeitos. Obrigado. Porque eu penso demasiado, e sempre me martirizei por pensar em pensar demais. Porque tu cedo reparaste nisso e mostraste o teu exemplo, de quem não pensa demasiado e não se martiriza por pensar em pensar demais. E isso, dá-me força e vontade de seguir o teu exemplo. Obrigado. Pelo tanto que me tens dado em tão pouco tempo. Gosto de ti. Gosto de estar contigo. E isso é bom.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Tumulto.

Céu nublado, cinzento. Prelúdio de estabilidade monótona, difusa e confortável. A temperatura ajuda a compor este quadro. Sem cores quentes ou frias, apenas uma escala de cinza que acompanha, de forma sóbria, programada, o engrenar da máquina que nos pede produção. E eu, ao observar este clima que me tenta abraçar nas suas pontas sem virtuosismo, sinto-me oprimido. Porque dentro de mim está o negro. E o branco. E tudo aquilo que fica no meio. Em constante guerra, numa batalha cujo vencedor ainda não é sabido. Dum lado, os grilhões do medo, as correntes da incerteza, as chagas da expectativa, a dor da contrariedade. Do outro, a luz da esperança, o calor da serenidade, o tremor da gargalhada, a poesia do sorriso. Não sei quando terminará o conflito. Mas tento mantê-lo dentro de mim, para não atrapalhar o cinzento da normalidade lá fora, prelúdio de estabilidade monótona, difusa e confortável. Mas como todas as guerras têm o seu momento de viragem, um dia também o campo de batalha será pequeno demais para albergar tanto conflito. Só desejo não acabar como qualquer campo de batalha, abandonado por quem não desistiu enquanto não sobreviveu à custa da vida de outrém.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Tropeçar.

Tropeço. A própria palavra sugere o tropeçar, aliado ao embaraço, obstáculo, dificuldade, falha. Mas se calhar, foste um tropeço diferente. Porque o tropeço que tens sido sugere-me renovação, alegria, brilho, força. Aliás, ao contrário do que o dicionário insiste em dizer-me, não caí quando tropecei em ti. Levantei-me. Um pouco, é verdade, mas levantei-me. Não sei se és apenas um fragmento dum destino que desconheço, ou se és pilar duma casa por construir, mas sei que não és um tropeço daqueles que vêm nos livros. Não sei se este nervosismo constante advém da incerteza da queda, se esta frustração aparente nasce do medo de me aleijar se cair, se esta alegria penetrante existe pela adrenalina de não controlar o meu caminho. Mas sei que quero continuar a tropeçar. Muitas pessoas tropeçam assim, em tesouros. Se é o meu caso, ainda é cedo para saber. Nem me interessa saber. O prazer da ignorância só dá mais sabor à descoberta.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O concerto.

Estar sentado e olhar o horizonte.
Ao lado, sempre ao lado,
A companhia que me ignora
O pedido de socorro nos olhos.

Dentro de mim, um concerto.
Mil trompas anunciando o fim,
Com os violinos a chorarem a dor
De não ouvirem os tenores a suplicar

Pela libertação da sinfonia,
A que me corrompe e corrói,
Passeando-se pela minha imaginação,
Diminuindo e destruindo.

O tempo termina, toque de caixa
Para o sistema novamente.
Baixa-se o som, aumenta-se a intensidade,
Levanta-se o sorriso, está tudo bem.

Outro momento passou,
Outro buraco foi criado,
Até quando serei  veneno,
Até quando recusarei ser antídoto?

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Fugitivo.

Se calhar é só insegurança. Se calhar é só os meus medos a falarem. Se calhar é só esperança. Se calhar é só uma tentativa ridícula de verbalizar aquilo que não pode ser limitado pela compreensão escrita. Do pouco que sei, sei que mete medo. Que me faz suar frio. Engasgar-me quando falo. Ficar envergonhado. Triste. Alegre. Perdido. Encontrado. E isto tudo quando, simplesmente, me mantenho calado, no meu canto, a pensar nisso. E isto tudo quando, desesperadamente, tento colocar esta torrente de informação nova numa gaveta para quando me sentir mais seguro. E isto tudo quando, resignadamente, me perco no raciocínio e nos meus terrores internos por imaginar, por alguns segundos, a Luz, tão natural, tão forte, tão assustadora, que me faz sentir assim. Natural, porque não acreditas sê-la. Forte, porque não imaginas o bem que me fazes com ela. Assustadora, porque a incerteza do amanhã é a maior amarra do hoje.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

A pá.

É como uma brisa de ar numa casa que esqueceu o que era ter a porta aberta. São pequenos tremores, minúsculos suores, mínimas incertezas e um rodopio de folhas duma estação diferente daquela em que vivo. À medida que me surpreendo com o magnetismo destas coisas novas a que normalmente chamam "mudança", vou fugindo. Porque ir atrás do compasso pode significar a compreensão de que estou a dançar uma música diferente. E é mais fácil manter-me na marcha lenta, fúnebre, do meu enterro anunciado previamente pela insegurança de voltar a sentir. Já lhe conheço os passos, os andamentos, a estrutura, não tem surpresas, logo não tem desilusões. Por isso, tento fechar os olhos, não sentir o aroma de uma nova aventura, o brilho dourado da esperança... Em vão. Porque a pá com que me enterro pode ser pesada e segura, mas torna-se tão feia quando o arrepio da Primavera me envolve por segundos e me deixa assustado por, em quase ínfimos fragmentos de tempo, sentir vontade de fugir do meu corpo e percorrer, durante o infinito que dura um olhar, esse caminho que não sei se me levará ao mesmo destino do seu criador.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Solteiro.

Não sei lidar com a solidão. Não sei estar sozinho, não sei como reagir ao silêncio. No entanto, aqui estou. Sozinho, calado. É um momento novo, por ter perdido a novidade há muito. Não sei se deva, incessantemente, escavar por todas as areias e ilhas perdidas no meu subconsciente à procura do tesouro que me possa devolver a estabilidade da companhia. Não sei se deva apenas caminhar, de olhos vendados, ouvidos tapados e nariz cerrado, tropeçando em todas as pedras do caminho até encontrar uma que me levante em vez de derrubar. Não sei absolutamente nada. E sinto-me ridículo por ter achado algum dia que sabia. Só sei que a volatilidade da natureza humana é mais forte que a rotina, o previsível, o pragmático, o eterno. Nada é eterno, porque o eterno nunca conheceu o Homem. E quando conhece, é tarde demais, o Homem já se foi, só fica o corpo.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Obrigado.

O dia de hoje está a ser horrível. Porque gostava de me sentir como se estivesse em Outubro. Como se não tivesse descoberto aquilo que me deixa realizado, inteiro. Como se não tivesse descoberto que quem sofre mais com o segredo das suas próprias imperfeições sou eu. Como se continuasse a descartar os meus erros contínuos. Como se continuasse a dar por garantido todos os que expressassem carinho por mim. Como se não tivesse sido obrigado a expôr-me. Mas não. Hoje, sinto-me horrível. Porque hoje é o primeiro dia de uma nova aventura. A que tivemos acabou ontem. O cenário era umas escadas, cheias de todas as gargalhadas, frias das frases de circunstância. O tempo fugia por entre os pontos luminosos no céu, cada um representando as palavras que dissemos, os gestos que tivemos, a vida que vivemos. O ar estava tão respirável como no vácuo. Os corações batiam todos, ao ritmo das conversas sem sentido, sem vontade. Resultado óbvio da auto-defesa que a alma cria quando tem que dizer adeus. A cama estava preparada, à espera de que alguém desse a deixa. Mas ninguém falou. Falou o corpo. Falaram as lágrimas. Falou o silêncio. Agora, fala a mágoa. A mágoa de quem criou laços inesperados, laços que não sonhava poderem ser atados com tanta força, laços que não contava guardar numa gaveta, para a próxima oportunidade. Obrigado por tudo. Graças a vocês, o dia de hoje está a ser horrível. Até sempre.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Troféus.

O reflexo é forte. Dourado, metálico. Refresca-me o corpo. É sólido ao toque, impessoal, sem vida. É esse o meu cenário. Olho em volta, procurando algo mais do que isto. Mas só vejo letras bonitas, apregoando os maiores feitos, as mais valentes vitórias, os mais merecidos méritos. As minhas mãos tentam tactear à minha volta, mas em vão. Estão presas por umas correntes brilhantes, cheias de diamantes falsos, daqueles que brilham só quando não se olha para o seu interior. Tento gritar, até perceber que não tenho voz. Apenas tenho uma melodia constante, sempre no mesmo timbre, na mesma nota, na mesma melancolia. A minha mente tenta assustar-se e reagir. Nesse momento, percebo que não é o Inferno que me rodeia. É o Paraíso que eu criei, para substituir a imperfeição que me trazia calor, palavras mal-escritas e sinceras, cordéis gastos e simples, sons roucos, vindos do interior do coração. A imperfeição que tanto demorei a encontrar e que, por um mundo idílico, tão prontamente aprendi a perder.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Paradoxo.

É uma dança sem fim,
Ao sabor do vento
Da sinfonia do olhar.

Ora quero esconder-me
Na caverna mais lúgubre,
Ocultando o negrume
Dos meus desatinos
E desalinhos,

Ora quero gritar,
Brilhando com a força
Da liberdade intelectual,
Nascida do milagre
Da mudança.

E é nesta dúvida,
Muitas vezes certeza
De uma consciência
Não definida,
Que passeio, em bicos dos pés,
Sem saber para onde ir
Nem muito menos qual o melhor destino.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Distância dos nossos olhares.

A distância entre os nossos olhares é um Universo inteiro. Não porque estejamos longe. Temos é um conteúdo incalculável. De palavras que nunca diremos, de sentimentos que nunca verbalizaremos, de preconceitos que nunca ultrapassaremos. E isso é porque sou cobarde. Porque esqueço as leis da gravidade cada vez que sinto o teu toque. Porque o meu cérebro deixa de funcionar quando estás perto de mim. Porque a necessidade de controlar transforma-se em silêncio de cada vez que sorris. Por tudo isto e muito mais, talvez nunca conseguirei olhar-te nos olhos e dizer que me fazes questionar as minhas certezas, que me dás vontade de ignorar o descanso para ouvir os teus devaneios pela noite fora, que me colocas um sorriso de cada vez que as tuas infundadas inseguranças vêm ao de cima. Gostava de poder ser confiante o suficiente para te proteger das desilusões. Gostava de ser corajoso o suficiente para te mostrar a felicidade. Gostava de te dizer que estou apaixonado por ti. Mas, para isso, terei que ultrapassar a distância entre os nossos olhares. E essa, é do tamanho de um Universo inteiro.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Espaço.

Do espaço, tudo é relativo.
Os planetas parecem berlindes,
A luz parece eléctrica,
Os problemas parecem histórias,
A vida parece suspensa.

Essa é a solidão do viajante,
Artista dos novos mundos,
Minúsculos no olhar
Mas infinitos na mente
Que os ousa navegar.

Todas as palavras existem
Sem terem aprendido a serem ditas.
O som é uma memória distante
De um sonho onde tudo o que parece
Plural se torna miragem.

Nesta dimensão sem cores
Socialmente reconhecíveis,
Não existem erros, porque não existe
Moral, logo não existem guerras
Nem existe sociedade.

Existe apenas o existir,
A essência suprema,
Esquecida nos meandros
Asfixiantes do controlo humano
Sobre si mesmo.

E assim vagueia, sem caminho
Nem destino, a nave exploradora,
Desbravadora de novas sensações,
Sem adjectivos, preconceitos,
Catalogações, enfim, livre.



terça-feira, 11 de junho de 2013

O centro.

Sento-me no canto da sala. Na realidade estou no centro, mas quando tu estás presente, qualquer posição onde esteja é o canto. Porque tu és, naturalmente, o foco. Todos os locais parecem ter sido construídos com o único propósito de te iluminar ainda mais. Não és como uma obra de arte, soturna, imóvel. És mais como a gargalhada de uma criança, irremediavelmente contagiante. Como o acorde de uma guitarra, deliciosamente viciante. Como o aroma de uma rosa, inocentemente intoxicante. Não me interpretes mal, eu não desejo o centro. Desejo-te. Desejo ser o objecto do teu olhar, a razão do teu sorriso, o causar da tua vivacidade, a metade que a tua alma ainda não sabe que tem. Mas tudo isto não passam de meras divagações de quem, relutantemente, te vê dançar, ao som das tuas palavras. Sei que, de vez em quando, também me vês aqui ao canto. Suspeito que já tenhas lido nos meus olhos o que a minha boca teme dizer e o que o papel admite. Continuaremos assim, tu no centro, eu no canto, observando-te. Um dia, irei dizer-te tudo. Não porque te quero roubar o centro. Apenas porque uma pessoa só consegue sentar-se no canto até certo ponto. Até lá, continua a existir, alheia a mim. O jogo um dia irá acabar, por minha ou tua vontade. Deixemos o destino decidir o momento. O resultado ficará por nossa conta.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Leveza.

Agarra na minha mão. Deixa para trás o peso da tua consciência, dos preconceitos, da sociedade, do Mundo. Vem voar comigo. Sem nada que nos prenda, podemos ser dois dentes-de-leão, duas pétalas, dois grãos de nada cheios de tudo. Pairamos, numa dança rodopiante e alucinante, onde não conseguimos ver nada dos nossos corpos. A nossa alma é a única coisa que brilha, reluz e se mostra.

Agarra-te bem. Eventualmente aparecerá alguma ventania. Daquelas que só param de soprar quando despiram uma flor por completo, roubando-lhe a beleza e a vida. Pode aparecer também bandos de pássaros, com barulhos iguais a gargalhadas, tentando debicar-te centímetro a centímetro, sempre em grupo.  Mas não tenhas medo. Se formos os dois e se mantivermos os olhos postos nas nossas almas, a tempestade torna-se paisagem. Como se fosse uma pintura velha e bolorenta.

Agarra-te a mim. O tempo irá passar. Quanto mais tempo demoramos a descolar, mais pesados ficamos, mais difícil se torna sermos livres. Por isso, anda. Não posso prometer o destino, as aventuras, os desafios. Posso garantir apenas a viagem. Voando, como dois dentes-de-leão, duas pétalas, dois grãos de nada cheios de tudo. E juntos. Principalmente, juntos.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

O que é que sentes? Borboletas.

Tique.Taque.
Bate o relógio,
Não o físico
Mas o da emoção.
Emoção de te ver,

De te sentir,
De te ouvir,
De existires.
Todos os segundos que demoro
São vidas independentes,

Seguindo um caminho
Longo e sinuoso,
Como se a estrada
Para me unir a ti
Fosse infinita.

Até nos sentirmos.
Não dura para sempre.
Dura o sorriso de criança,
A felicidade do primeiro amor,
Dura apenas um instante.

Depois, distância,
Novamente o fosso
Literal, figurativo,
Subtil, doloroso,
Novamente a distância.

Começa o caminho de novo,
Contigo ao fundo,
Sem me veres a caminhar,
Ansioso por te sentir de novo,
Tique.Taque. Bate o meu ser por ti.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Ainda há poetas?

Poesia não é amealhar rimas
Suportadas em linhas gráficas,
Defendidas por clichés
Mal pensados e pouco sentidos.

É sentir o fresco da vida na pele,
Ser luz com um olhar,
Voar entre o aroma do orvalho
E o calor da voz alheia.

Para se ser poeta,
Não se pode ver a escrita
Como uma fórmula matemática
Onde o mais importante é a terminação sílábica.

Não. Ser-se poeta
É escrever os batimentos cardíacos
Como uma lágrima perdida
Num mar salgado ilusório.

No entanto a palavra tornou-se comum.
Graças a isso, tudo agora é poesia,
Poemas são frases com rimas,
Poetas são trovadores.

Pobres os que não compreendem,
Pois continuarão a achar belo
Um palavrar que rime com amar,
Um respirar que termine em ar,

Em vez de entenderem a feliz cópula
Entre a visão do artista
E a pétala perdida
Do suspiro magnânimo da arte.


sexta-feira, 31 de maio de 2013

Coaching.

A cada passo que vou dando, mais tempo perco em negar-te. Não a tua existência, mas a tua importância. Relativizo-te, catalogo-te, guardo-te num armário onde se guardam os pertences que já excederam a sua data de validade. Durante muito tempo consegui. Só saías do armário quando precisava de te ter por perto. Conseguia controlar este crescer que maquilhei como insegurança. Defeito. Má-formação, doença até. Agora já não consigo controlar mais. Por muito que tente olhar-te de cima para baixo, pôr-me de bicos nos pés, ignorar os teus mais pequenos pormenores, não pensar na tua respiração nos meus lábios, sinto-me sempre pequeno perto de ti. Consegues despertar em mim as maiores inseguranças, os suores mais frios, os desejos mais dolorosos. E não gosto de me sentir assim. Por isso, desta vez, não te irei dar as minhas tristezas, mas as minhas forças. As minhas qualidades. E talvez, um dia, uma tarde, uma hora, um segundo, um momento, não sejamos uma recriação, mas um nascer. Não interessa quando, como, nem quanto. Só interessa o acontecer. Porque a partir daí, reconhecerás a minha presença. Espero que aí, não seja tarde demais. Para ambos.

domingo, 26 de maio de 2013

Equilibrismo.

Há dias em que não é necessário existir um plano anterior para concretizar o desabafo literário. Julga-se no limiar das suas potencialidades, caminhando novamente na luz que caracteriza a fé humana. Tão rápido como o último suspiro dum corpo moribundo, assim é o grito que nos arrasta de volta para a caverna, não do desconhecimento, mas da verdade escura, sem alegria, sem energia, sem nada. Pura anti-matéria criada dos desejos mais obscuros de um coração desistente. Assim se passeia a alma dolorida, como um equilibrista, arriscando o seu orgulho e o seu talento num passeio arriscado, onde o resultado final não é necessariamente gratificante, mas permite uma maior tranquilidade do que a queda. Apesar de muitas vezes existirem percalços no percorrer da corda bamba, naturais  para quem está habituado a estas manobras. Ao cair tenho evitado a Queda. Porque cair com rede não é o mesmo que cair no chão. E a rede está a ficar um pouco roída, flácida, fraca, corroída - está a desaparecer. Neste momento já não procuro fazer sentido. Não procuro a pertinência de palavras somadas como uma fórmula matemática, de forma a fazer suspirar o mais rancoroso dos corações. Procuro apenas equilibrar-me, de um lado para o outro, até a viagem acabar. E quem assim anda sabe que o que conta não são os erros ortográficos, de sintaxe, de julgamento, as vinganças, os constantes deitar-abaixo para compensar a mágoa, as constantes lembranças de uma imperfeição que orgulha quem te sentia invencível. O que conta é chegar até ao fim sem dar a Queda. Aquela sem rede. Que tantas vezes se afigura como o fruto mais apetecido. Quem se equilibra, sabe disso. Os que não compreendem, então não andam na corda bamba. Mas dá-lhes jeito que assim se pense.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

"Miguel", momento nº 14.

As portas abriram-se.
O sol entrou,
Carismático e brilhante,
Iluminou a mobília
Que só conhecia pó.

Não gritou, porque o Sol
Não sabe gritar.
A sua luz quente
Foi o suficiente para
Abrir a jaula onde pus o coração.

Cá fora, já não era o Sol.
Eram olhos, aos milhares.
Humanos, imaginados,
Medos e frustrações.
Eram olhos, aos milhares.

E de repente desapareceram.
Um momento, um respirar,
Um conjugar de almas,
Eu e tu no plano imaginado,
A representação de nós.

E vi que o coração não aguentou.
Derreteu-se num rio doloroso,
Salgado e saboroso.
Correu-me o corpo,
Lavou-me a alma,

Despiu-me os pudores,
Desabou as defesas,
Ignorou os bravados.
Deixou-me vulnerável.
Fez-me sentir vivo.

terça-feira, 21 de maio de 2013

"Sem espaço para dúvidas"

Era bom ser o topo das virtudes. Sentia-me acima de todos os comuns mortais, na minha fugaz certeza dum futuro que não saiu do abstrato. As minhas inseguranças, ficavam para quem as suportava e sofria com elas, fiel esteio dum amor escrupuloso e sedendo de sangue. Na bebedeira da paixão por mim, decidi agarrar todos os conceitos e palavras que me aquecessem o ego, que me alimentassem o corpo, que me adormecessem o espírito. Não agarrei o meu coração, deixei-o cair, perdeu-se. Mas a claridade encontrou-se e, enfim, me vi nitidamente. Gordo. Narigudo. Arrogante. Caprichoso. Mentiroso. Traidor. 

Dizem as línguas sábias que, para se encontrar um olhar cúmplice e apaixonado, é preciso olhar-se a vida de forma cúmplice e apaixonada, como se de uma velha amiga de infância se tratasse. Ironicamente, já me vi no papel do pilar de suporte e do megafone do ultraromantismo, quando muitas vezes lágrimas de desespero e de angústia povoavam quem perdia a esperança. Neste momento, a posição inverteu-se, mas com uma ligeira diferença. Não tenho a coragem necessária para admitir a minha incapacidade de me fazer feliz. Nem o quero. Outras mentes sabedoras dirão que ninguém gosta de um coitadinho. Para se ser interessante, há que ser confiante, gozão, insensível, bruto. Agora só consigo viver o papel de quem se vê fora do alcance do paradigma actual, como um pacote de leite que só fora aberto depois de passar o prazo. Invejo-te. Também queria eu ter a confiança necessária para me sentir desejado e voltar a sofrer por ter medo de confessar o que sinto.

sábado, 18 de maio de 2013

Monólogo de uma mente cansada.

É só sair de mim e observar. Está tudo igual. Diria até, sem novidades, como se toda a vida fosse o segundo que nos leva a perceber que existimos. No entanto, algo escapa. Falta. Não está, não esteve, não sei, alucino, desespero, olha, não tem explicação. Tento reflectir sobre isso. Mas com ideologias e sofismos não vou lá. Até porque são essas mesmas intelectualizações que me fizeram fugir de mim por um momento. Por isso, tento observar ao mais ínfimo pormenor o que se passa ao meu redor. E é aí que me atinge. Tudo e todos os que me rodeiam mostram uma textura diferente da minha. Será que consigo pormenorizar mais? Consigo, mas não quero. Eles estão formados por palavras. Escritas, pensadas, não fazem parte do momento. Fazem parte do outrora. Todas. As boas e as más. É hora de voltar a mim. As palavras desapareceram, como as pessoas que elas formaram. Só resto eu. Num fundo sem objectos, sem cores, sem nada. Tudo descoberto, em aberto, pronto a ser explorado. É o momento de apagar as palavras erradas, os erros ortográficos, as falhas de sintaxe. Voltar a escrever, a pintar, a criar. Fecho os olhos, e volto a sair de mim. A ilusão é mais confortável, a dor é mais aliviante, o lamento do passado é mais fácil. Sofrer por começar do zero necessita duma base corajosa, pronta a arriscar. E por agora, só consigo viver no que me prende aos conceitos com que construí a minha felicidade. Não consigo ainda viver feliz.

domingo, 12 de maio de 2013

Joker.


Basta um dia mau. Basta a teia que tu construíste durante tanto tempo ser quebrada num pequeno anel. Basta veres as tuas expectativas e sonhos pisados como uma poça de chuva. Basta um dia mau. Quando ele chega, por fim, esquece tudo aquilo a que chamavas borboletas no estômago, calor no peito, secura na garganta. Diz olá ao riso. Gargalhadas, gargalhadas e mais gargalhadas. Porque tudo não passa de uma piada, na verdade. De que vale a pena tentares encontrar nas circunstâncias e no destino justificação para te comportares como uma criança a quem te tiraram o brinquedo favorito? Vale a pena ficares tão sério por isso? Porque o teu pai enchia-te a cara de porrada ou de outra coisa? Porque descobriste que existem mentiras e traições e o Peter Pan não? Porque não encontras felicidade na máquina de produção em massa a que chamas vida? Porque descobriste que o príncipe a quem oferecias o teu coração estava à espera que te oferecesses mais abaixo? Porque não suportas aquilo que vês ao espelho e o julgamento do teu reflexo? É por isso que estás tão sério? És ridículo. É por isso que nunca deixarás de ser o húmus que habita no esquecimento colectivo de quem te conheceu. Porque te bastou um dia mau para colapsares. Porque não és como eu. Também tive um dia mau, uma vez. Mas só me deu vontade de rir. Porque é como construíres um castelo de cartas. Levas anos, mas assim que suspiras, desaparece tudo. E ficas a chorar, pelas tuas cartinhas derrubadas. Agora deves querer fazer isso mesmo. Chorar pelas tuas cartinhas. Ou então soltares a frustração de seres tão importante como um grão de areia e bateres-me. Mas não vale a pena, porque vou continuar a rir-me. Porque tu és uma piada, eu sou uma piada, tudo não passa de uma grande piada. Quanto mais depressa perceberes isso, melhor.

sábado, 4 de maio de 2013

Escala de cinzas.

Ás vezes, a recuperação dói.
Não a quem recupera,
Que por esse momento verdadeiramente espera,
Mas a quem orbita no nosso Universo,
Sem preparação para felicitar o sucesso
De uma imperfeição que já não nos destrói.

Será vista como bravado ou arrogância,
Aceitar as camadas de cinza na paleta
Com que escrevemos o nosso eu, qual caneta
Que nos desenha os contornos reais
E não as projecções ideais
De quem nos ama, com alguma intolerância.

Eu percebo. Quem ama não tolera
O surgimento de uma sombra desconhecida,
O nascer da morte que outrora fora vida,
A sucessão de erros em catadupa,
As imperfeições aumentadas à lupa.
É mesmo assim. Quem ama não tolera.

Mas porra, se para renascermos é preciso o nosso perdão,
Significa que temos de aceitar as nossas cicatrizes
E perceber que sem o negro não seremos felizes,
Não customizar um novo eu,
Um nobre cavaleiro ou um simples plebeu.
É preciso olhar para o monstro no espelho e amarmos a imperfeição.

Senão, corremos o risco do coração
Morrer insano, perdido, sofrendo com a rouquidão.


sexta-feira, 26 de abril de 2013

Mil máscaras.

Máscaras. Tenho uma colecção delas. Mas não são as das personagens populares da cultura ocidental. Não tenho imitações dos vilões e heróis das películas das nossas vidas. Tenho é máscaras de mim. Muitas mesmo. Têm todas a mesma cor, o mesmo formato, a mesma textura, a mesma aparência. Qual é a diferença entre elas? A magia. Cada uma transforma-me num ser diferente, numa personalidade diferente. Por vezes sou carinhoso. Por vezes sou sacana. Por vezes sou arrogante. Por vezes sou modesto. Por vezes sou alegre. Por vezes sou triste. Por vezes sou embirrante. Por vezes sou tolerante. Mas nenhuma delas sou eu. Porque são todas máscaras. E se alguma for confrontada por ter agido de forma errada com alguém, não me atinge. Estão a discutir com uma máscara, não comigo. E assim fujo, para o infinito do sonho que criei para o meu eu real.

Mas quebraram-me as máscaras. Expuseram-me. Agora não tenho onde me esconder. Agora aquilo que se vê é exactamente a mesma aparência. Mas a personalidade, o sumo, o interior, é enrugado, cravado de erros, de manipulações, de mentiras, de traições, de falsos moralismos, de lições falhadas, de coisas más. Tudo aquilo que não está de acordo com o culto que fiz às minhas máscaras.

Está na hora de aprender a viver com os meus esqueletos. Com os meus erros. Está na hora de desistir do jogo das máscaras. Está na hora de sofrer, confrontar, ouvir, ser julgado, criticado, magoado. Em suma, viver honestamente, com orgulho de se ser imperfeito.

domingo, 21 de abril de 2013

Perdido #3

Escuro. Está escuro.
Só vejo aquilo que fui,
Aquilo que vivi,
Aquilo que senti.

Agora não vejo nada.
Não sou nada,
Não vivo nada,
Não sinto nada.

Não acredito no amor,
Nem na felicidade,
Nem na cura da sanidade.

Só acredito na escuridão.
Na solidão que ela encerra.
Na vontade de desaparecer.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Perdido #2

O sentido desapareceu, bem como a vontade de ser coerente. Sumiu, esfumou-se, sei lá. Fica só o ardor no peito. O peso nas pálpebras. A vontade de fechar os olhos. A cama tornou-se o meu maior ardil na busca da felicidade. O movimentar-me tornou-se no meu maior rival contra o bem-estar. Em suma, viver tem-me custado muito. É como a barragem que, de tanta agressão e tempestade, começou a verter toda a água pacientemente recolhida durante anos e anos. Com a pequenina diferença que, de barragem, não tenho nada, apenas dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor, dor. Quero adormecer. Quero deixar de sentir. Quero desaparecer. Quero voltar a ser eu. Quero deixar de odiar quem amo. Quero deixar de me vilanizar na esperança de alcançar o epítomo  duma superioridade que só tem expressão no âmago do meu sofrimento.

Deus, estou perdido. Por favor salva-me, se não sou engolido. Perdoa-me a fraqueza, a falta de carácter, a arrogância, a indecisão, a incoerência, a depressão. Não preciso de milagres, de grandes mudanças, de anjos, de santos. Só quero voltar a sorrir com vontade. Sorrir, com alegria, porra, quero estar bem, deixar de pensar em tudo e em nada, de chorar por tudo e por nada, salva-mesalva-mesalva-mesalva-meSALVA-ME!

Tira-me daqui, elimina os meus grilhões, livra-me do mal que me persegue, do passado que me aprisiona, do presente que me consome, dos vícios que me atraiçoam, de tudo tudo tudo tudo.

Não me quero sentir mais assim, perdido. Ajuda-me, Deus, meu Pai e Senhor. Em nome de Jesus, e para tua eterna glória, amén.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Perdido #1

Sou o cubo de gelo.
O frio que enregela,
Magoa, esmiúça,
Esconde tudo o que é belo.
Mas eu não sou assim.

Sou a nossa dormência.
O esquecimento da força,
A memória da felicidade,
A brisa do silêncio.
Mas eu não sou assim.

Sou a fogueira apagada.
Simples cinzas espalhadas
Ao redor dos meus esforços
Para tornar faísca a inexistência.
Mas eu não sou assim.

Sou qualquer coisa que nunca fui.
Um quebrador de passados,
Destabilizador de paradigmas,
Idiota completamente perdido
Naquilo que um dia chamou certeza.

Não quero ser mais assim.
Mas não encontro a razão para lutar,
A fome para sobreviver,
O oxigénio para existir.
Só encontro o sono. Seja o que Deus quiser.

sábado, 9 de março de 2013

Estudo em Dó Menor.

Incoerência, incoerente,
Bastardo demente,
Tristeza sorridente
Nunca faz frente
A quem é crente
Na inexistência da mudança.

Voltas pela direita,
Entraste na seita,
Pela esquerda deita
O veneno, cuja receita
Vem da depressão na colheita
Que o meu carácter insiste em criar.

Palavras sem nexo,
Amor sem sexo,
Namoro sem ex,
Tumor em anexo,
Coração perplexo
Por errar e voltar a errar.

E no fim, que resta?
O piano que toca na solidão.
O arrependimento que canta ao ouvido.
A gargalhada da incompetência.
Os pedaços do que foi o meu corpo.
O desejo de metamorfose.

Mas não há metamorfose.
Há apenas engano.
Uma pintura borrada não se apaga.
Queima-se. Lancem as chamas.
Estou pronto para carbonizar.

domingo, 20 de janeiro de 2013

O sonho.

Começas suavemente. A fingir, a fintar, a falsear esse movimento que define a quietude do silêncio. Assim que desvio o olhar, já me rodeaste. Soltar-me de ti parece-me, enfim, uma ténue miragem num deserto perdido noutra vida. Então começas a sufocar. Aceleras o metrónomo, aumentas o ritmo, ardes de intensidade, atestas-me de tudo. No entanto, sinto-me sem nada. Tudo o que vejo é um sem fim de giros, ciclones, redemoinhos, tonturas, perdições, vícios, tristeza. Sugas toda a minha capacidade de existir. Passo a ser um mero espectador do circo que construíste com a minha alma. E é nesse momento, quando a terra se torna Terra e o fim se transforma em Fim, que olho para mim e encontro-te. Desolada, saciada, desamparada, ingénua, criança, magia. Tento, pela milésima vez, definir-te uma forma, um sentido, um pensamento, mas sem sucesso. Volto a cair na tua rede. Volto a olhar para ti sem me aperceber que não olho para mais nada. Sem me aperceber que no Mundo, naquele momento onde civilizações caem e amores se criam, volto a unir-me contigo. E então, meu doce Sonho, ganhas de novo essa energia que me torna tão melancólico, tão derrotista, tão morto. Mas isso é só quando voltar a ver a minha alma extirpada por ti.

Agora, ainda estás a começar. Suavemente. Assim, tornando-me vivo novamente, neste ciclo perpétuo, onde o alcance da tua plenitude está nos mais altos montes da imaginação. Onde tento sempre chegar, mas cujo caminho esqueço sempre, tornando-te inalcançável. Porque a vida não é tocar-te. A vida é perseguir-te. Se um dia te tocar no teu expoente máximo, a minha existência alcança o seu máximo expoente. E termina. Por isso começa suavemente, meu doce Sonho, que ainda tenho muito caminho para te perseguir.