quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O homem tatuado.

Não havia jaulas nem grades nem paredes nem bloqueios nem paredes nem muros nem nada. Havia sim, um homem sentado, todo tatuado. O que pairava no ar eram palavras, munidas de sons familiares para os seus ouvidos adormecidos. Levanta-te! Deita-te! Tu mereces isto! Tu tens que te continuar! Tu tens que seguir em frente! Tens que viver! Não podes alimentar-te do passado! Não passavam de palavras. As palavras, assim, sozinhas, apenas proferidas, têm um efeito balsâmico apenas na imaginação. Na realidade não passam disso. Criações humanas para combater a solidão que nos é inerente. O homem tatuado não se levanta nem as tenta imbuir de acções. Foi assim que ganhou as suas tatuagens. Escritas a sangue. Tu és uma merda. Tu não sentes nada. Tu és um monstro. Tu não mereces nada. Perdeste tempo demais. Agora já é tarde. És um manipulador. Não prestas. Todas estas tatuagens fazem pressão extra na pele do homem tatuado. De cada vez que as tentou negar, as acções voltavam a provar a verdade da sua fraqueza, enfim, da sua condição humana. E doíam. Não na pele. Não nos órgãos internos. Não no corpo. Doía num espaço secreto, que só descobrimos quando transformamos o futuro em passado, por não ligarmos ao presente. O homem tatuado já quase não tem pele, ou carne, ou ossos, ou corpo, ou forma. Tem as palavras tatuadas na sua existência, porque ele já tentou arrancar a dor, escavando até ao fundo de si mesmo, sem restar mais por onde escavar. As vozes continuam, as palavras também. O homem tatuado continua sentado. Volta a sentir dor. Volta a tentar arrancá-la. Já não tem mais sangue para deitar, lágrimas para escorrer, força para continuar. Já não tem nada, senão as suas tatuagens. Escritas a sangue. Tu és uma merda. Tu não sentes nada. Tu és um monstro. Tu não mereces nada. Perdeste tempo demais. Agora já é tarde. És um manipulador. Não prestas.

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