domingo, 25 de dezembro de 2011

Conto de Natal.

Era uma vez uma velha que fazia anos no dia 24 de Dezembro. Ela gostava muito do Natal. Um dia, o neto dela morreu. O Natal perdeu a graça. Mas pensou, pelo menos tenho o meu marido ao meu lado. Alguém com quem chorar.

Um dia, o marido enlouqueceu. Da cama já não sai. A mente há muito que se foi embora. O Natal, para ela, perdeu ainda mais piada. Mas pensou, pelo menos tenho as minhas filhas, de certeza que me vêm cá consolar.

Um dia, a sogra de uma das filhas adoeceu. Ela não pôde aparecer. A outra filha fez questão de aparecer quando não estivesse lá mais ninguém, durante alguns minutos. A filha que resta esteve o tempo necessário até ter que ir preparar o seu próprio jantar de Natal.

E para a velha, restou-lhe a companhia das lágrimas. Perguntaram-lhe então nesse dia, avó, não queres que venham cá no Natal? Não, não posso, olha para isto, com este quadro tão triste.

Um dia, o Natal fora o dia em que a velha ficava com a família em casa e era feliz. Hoje, é só mais um dia para implorar pelo fim. E ele tarda em chegar.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Negrume.

Tudo negro. Mas negro como um planeta coberto de fumo. Não é negro como a música feita por milionários depressivos. Nem negro como a tristeza etária. Não. É negro como a ausência de tudo. E isso é o que vejo. Limpo os olhos mais que uma vez. Não, não era fuligem. Não há mesmo nada à minha frente.

Terei ficado cego? Não, não existe nada para eu ver. Terei ficado sem olhos? Não, eles apenas não acham nada para ver. Se calhar são as ligações nervosas. Também não. Não existe nada que possa descodificar, porque não existe nada. E eu?

Se falo sobre isso e penso sobre isso e escrevo sobre isso, logo existo. Mas estou sozinho? Certamente que não. Então o problema é mais negro do que eu julgava.

Procurei dentro de mim. Vi a existência que conhecia, desde sempre, a esconder-se, a saltar precipícios metafóricos, a cortar pulsos inexistentes, a enforcar pescoços literários. E eu?

Eu continuei a ver. Medo? Não, o medo não me aflige. Apenas me sinto deslocado disso. Da dor que causa ver a minha base existencial a desaparecer. A desaparecer no negrume em que se tornou o meu conhecimento.

21 anos. Quase 22. Aprendi, vivi, amei, confiei. Hoje, todos os que me rodeiam põem em questão a minha bagagem. Terei aprendido? Vivido? Amado? Confiado? Sim. Os outros, não sei.

Pai. Pai. Pai. Pai. Pai. Pai. Só tem 3 letras. Mas causa tanta insegurança. Mãe. Mãe. Mãe. Mãe. Só tem 3 letras. E eu não sei o que fazer com elas.

Eu. Já não sei o que sou. Sei que estou triste. Percebo que quero fugir. Mas as palavras já não são o caminho suficiente. Preciso dos vossos braços para chorar.

Mas vocês não os têm disponíveis. Não por não os esticarem, mas porque entendi finalmente o negro. Longe de vocês, vejo tudo.

Só não consigo ver perto de vocês. Vocês amam-me. E eu também. Mas não vos consigo identificar o suficiente para vos dizer e mostrar.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Velho - a dissertação.

A minha mãe está velha.
Ela própria mo disse.
Mas não era necessário,
Eu já o tinha percebido.
As rugas são mais que muitas.
Mas não é a pior.

A minha avó está velha.
As lágrimas secaram,
Agora só existem rastos
Debaixo dos olhos, um pelo
Neto perdido, outro pelo
Marido enlouquecido.

O meu pai também está velho.
Foge da casa que o envelhece.
O carro dá-lhe mais juventude
Que uma mulher velha apaixonada,
Uma filha descrente nele
Ou um filho emocionalmente mudo.

Eu também me sinto velho.
Sinto a farsa do bem-estar
A cair de podre, aos pedaços.
Sinto a alegria a secar, como uma
Passa, a tornar-se em cansaço.
E no entanto escrevo.

Estas palavras são velhas?
Será a estrutura velha?
Não sei, os olhos ainda
Estão muito jovens, tornando
Impossível reconhecer a velhice.
Mas fecho-os, de qualquer forma.

Há coisas que devem ser feitas assim.
Instintivamente, sem pensar muito.
Dar largas ao coração e às palavras
Que se escondem lá. O cérebro tem muitas
E bem mais complexas, mas são chatas.
Envelhecem mais depressa.


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Escrita normal.

Pensei em animar o meu amigo. Porque ele tem estado triste. Porque a sua auto-estima sugere níveis baixos. Porque é demasiado consciente do papel que representa. Foi aí que surgiu. A milagrosa ideia, capaz de quebrar as barreiras mais insólitas. Barreiras de inveja. Barreiras de medo. Barreiras de respeito. No fundo, quis imitá-lo. Para o lisonjear, de maneira a que ele perceba a sua grandeza. Não falo da física nem da psicológica. Falo da sua grandeza literária. Porque mesmo em repetição é bom. Porque mesmo no plural não cansa. Porque gosta muito da junção da proposição "por" com o pronome "que". Fiz isto não por pena. Sinto demasiada rivalidade para o desonrar dessa maneira. Também não o faço por gabarolice. Para demonstrar que consigo escrever no seu estilo. Fiz para criar o melhor texto do Mundo. Mas não consegui. Isto é apenas um tributo. Um tributo a um gajo que se esconde atrás das suas letras e piadas para construir a sua realidade. Mas não deixa de ser bom. E como ele diz, "tristes aqueles que não são reconhecidos".