quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Outono.

Uma folha cai. Castanha, cansada, com o verde a fugir pelas linhas duras da sua forma geométrica. É o Outono que regressa. Com ele, regressam os ventos, portadores de memórias do que um dia esta época significou. Identifico a sua chegada com o arrepio pelo meu corpo, causa-efeito da electricidade estática que o que dissemos carrega, solto no ar. Já não estou onde os meus sentidos me dizem que estou. Fui onde o meu coração me levou. A um banco, num jardim, em frente a um miradouro, com Lisboa a olhar para mim. No meu colo, pela primeira vez, soltas as tuas emoções, os teus receios, os teus desejos, as tuas esperanças, o teu ser. Quando tento afagar tudo o que me dás, acabo por afagar apenas a minha perna. Estou num degrau, numa qualquer rua, em frente a uma estrada, com Lisboa a olhar para mim. No meu colo, as minhas mágoas, a minha dor, as minhas lembranças, as minhas incertezas, a minha saudade. E uma gota de chuva, ácida. Olho para cima, para me abrigar do temporal, mas engano-me. Não estão nuvens no céu. Apenas a memória de quando o Outono foi sentir-te e não lembrar-te.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O homem tatuado.

Não havia jaulas nem grades nem paredes nem bloqueios nem paredes nem muros nem nada. Havia sim, um homem sentado, todo tatuado. O que pairava no ar eram palavras, munidas de sons familiares para os seus ouvidos adormecidos. Levanta-te! Deita-te! Tu mereces isto! Tu tens que te continuar! Tu tens que seguir em frente! Tens que viver! Não podes alimentar-te do passado! Não passavam de palavras. As palavras, assim, sozinhas, apenas proferidas, têm um efeito balsâmico apenas na imaginação. Na realidade não passam disso. Criações humanas para combater a solidão que nos é inerente. O homem tatuado não se levanta nem as tenta imbuir de acções. Foi assim que ganhou as suas tatuagens. Escritas a sangue. Tu és uma merda. Tu não sentes nada. Tu és um monstro. Tu não mereces nada. Perdeste tempo demais. Agora já é tarde. És um manipulador. Não prestas. Todas estas tatuagens fazem pressão extra na pele do homem tatuado. De cada vez que as tentou negar, as acções voltavam a provar a verdade da sua fraqueza, enfim, da sua condição humana. E doíam. Não na pele. Não nos órgãos internos. Não no corpo. Doía num espaço secreto, que só descobrimos quando transformamos o futuro em passado, por não ligarmos ao presente. O homem tatuado já quase não tem pele, ou carne, ou ossos, ou corpo, ou forma. Tem as palavras tatuadas na sua existência, porque ele já tentou arrancar a dor, escavando até ao fundo de si mesmo, sem restar mais por onde escavar. As vozes continuam, as palavras também. O homem tatuado continua sentado. Volta a sentir dor. Volta a tentar arrancá-la. Já não tem mais sangue para deitar, lágrimas para escorrer, força para continuar. Já não tem nada, senão as suas tatuagens. Escritas a sangue. Tu és uma merda. Tu não sentes nada. Tu és um monstro. Tu não mereces nada. Perdeste tempo demais. Agora já é tarde. És um manipulador. Não prestas.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O teu aroma.

Está um aroma familiar no ar.
Cheira a sorrisos sinceros,
A gargalhadas que só
O cristal da tua genuinidade
Poderia retinir.

Ansioso, procuro pela sua proveniência.
Vai intensificando, com travos
Do teu olhar com sabor a avelâ,
Dos teus cabelos, deliciosos fios
Cozinhados pelo calor da tua existência.

Fica tão forte, que quase perco a vista.
Corro, para conseguir alcançar
A tua pele morena, tingida pelo
Sol que tanto amas, tão viciante
E charmosa como a tua alma.

Quando lá chego, vejo que me engano.
Não és tu que soltas o aroma.
É a saudade, eterno manipulador
Da minha vontade de existir.
Tu vais lá ao longe, com outro aroma.

Aroma de renovação.
Aroma de mudança.
Um aroma que não é o teu.
Porque já não é o que partilhámos.
Esse, fica só nas minhas feridas.


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O Amor da minha vida.

Sabes o que é ridículo? Perdi este tempo todo a procurar em todos os que me rodeiam o sorriso que apenas tu me sabes dar. Eu sempre soube que só poderia voltar a ser feliz se não te deixasse ir embora. Mas não quis que chorasses mais. Não quis que estivesses com um traidor. Não quis que estivesses com quem os teus pais não iriam aprovar. Não quis que estivesses com quem os teus amigos não iriam aceitar. Não quis que tivesses de sofrer por estar com quem amavas. Meti na cabeça que só irias ser feliz se me deixasses de amar. Estúpido, não reparei que, à medida que isso ia acontecendo, eu ia morrendo. Átomo a átomo, ia desaparecendo. Então disse-te, quero-te. Então disseste, vieste tarde demais. Tentei, em desespero, arrancar tudo o que tinha dentro de mim, com raiva da minha inércia e burrice. Só encontrei o vazio. Vazio de tudo o que arranquei para suportar a dor de não ser o homem da tua vida, de não ser perfeito para ti, de te ter traído, de ter fingido que o melhor era não estarmos juntos. Agora grito, em desespero, para ouvir o meu próprio eco. Tento sorrir, para que não te tenhas de preocupar. Mas não consigo. Não porque queira que te sintas mal, mas porque já não o tenho. Bem como o meu coração e tudo aquilo que tinha de bom, aliás. Foste quem encontrou algo positivo em mim, foste quem ficou com isso e levou para longe de mim. Sabes o que é ridículo? É eu acreditar ainda na vã esperança de que um dia voltaremos a estar juntos, porque amores assim só acontecem uma vez na vida. O ser humano é mesmo assim, masoquista. E enquanto tiver pele para arranhar e cortar, continuarei a sentir esperança. Que possas sorrir e encontrar a verdadeira felicidade.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Farto.

Estou tão farto de olhar para o vazio. De procurar nas sombras do que não existe aquilo que a minha memória retém. De saborear o resto das entranhas do passado. De cheirar o perfume do deserto que sobrou do jardim onde reguei a minha felicidade. De ouvir os sorrisos silenciosos duma película onde já fui actor principal. De tocar nas curvas dos erros e das injustiças daquilo que, antes do meu toque, era perfeito. Estou tão farto, mas tão farto de caminhar sozinho. De ouvir uma porta entreabrir, fechando à velocidade da luz assim que falta uma fracção de segundo para a transpor. De ver uma luz ténue, a acompanhar-me para o que eu julgo ser o fim do túnel, desaparecendo assim que a ilusão ameaça tornar-se realidade. De sentir uma mão vinda da escuridão, acompanhando-me pela corda bamba que se torna precipício sem fundo assim que procuro o resto do braço. De cheirar o perfume dum Mundo melhor, imediatamente mascarado pela podridão dos fragmentos do meu interior. De saborear o doce das borboletas no estômago, para se metamorfosearem em traças corroendo-me por dentro assim que as deixo entrar. Estou farto. Estou tão, mas tão farto de ter esperança em tornar plural o que merece apodrecer singular. Estou farto de mim.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A Solidão.

A solidão é um sentimento muito engraçado. Parece-se com as mãos dum ilusionista. O ilusionista não usa luvas, mostra-nos vezes e vezes e vezes e vezes sem conta que não tem segredos nenhuns que possamos ver. Mas quando menos esperamos, algo prodigioso acontece, vindo das profundezas mágicas contidas no estalo de dedos do mágico. Com a solidão é o mesmo. Achamos possível dominá-la, conhecer as suas manhas, saber que ela não passa da insegurança elevada à razão da nossa resignação pessoal. Mas de repente, sem que tivéssemos tido oportunidade de olhar duas vezes, ela estala os dedos e estamos sós. De novo. As vozes de fundo, os corpos ao lado, os objectos mortos, as palavras vazias, os sentimentos que se passeiam sem nos serem direccionados. E aí, ouvimos as palmas. O truque funcionou de novo. Novamente os apertos de mão, os esgares surpreendidos, os votos de companheirismo sóbrio e, portanto, sem sentido. Não estás só. Estás rodeado de amor e carinho. Estás rodeado de tudo aquilo que precisas para ser feliz. Pois. Apenas não percebem que o truque não é esse. O truque é que não sou eu que vêem. Apenas uma miragem, projectada pelo olhar frio e sem remorso da solidão. Eu fico preso, enquanto o truque decorre, dentro das imagens e cores e sons e sabores daquilo a que um dia chamei "amor". O que mais custa no truque é quando saio e vejo que, cá fora, não existe nada. Apenas a solidão, vestida de preconceitos e inseguranças, a olhar fixamente para mim, à espera do segundo em que não consigo esquecer-me de que ela existe. Do segundo em que volto a olhar para as suas mãos. Do segundo em que ouço o estalar de dedos. Do segundo em que me volto a refugiar na dor familiar daquilo que foi o meu sorriso. Do segundo em que o truque acontece.