quarta-feira, 11 de abril de 2012

Balada do mentiroso.

Acorda o mentiroso,
Ao sabor daquilo em que não acredita.
Sabe-lhe bem e não é penoso
Olhar para aquela maldita
Imitação de felicidade,
Desprovida de humildade.

Substitui o coração caseiro
Pelo coração da rua,
Olhar caloroso pelo matreiro,
Merda tapada pela vergonha nua.
Afasta-se com um sorriso,
Explicação do mesmo, não é preciso.

Lá fora, onde ninguém o vê,
Pode ser o cavaleiro de outras terras,
O poeta maldito que ninguém lê,
O conquistador de falsas serras.
A conversa soa a verdadeiro,
Dá-lhe prazer o sexo passageiro.

Num raro momento de lucidez
A moral impede-o de lavar a aldrabice.
Mas a ignorância do que fez
Deixa-o manter, orgulhoso, a imundice
Que esconde debaixo das roupas
Adquirida com o esforço de mil garoupas.

Volta a casa com a formatação familiar,
Gritando insultos e ignorando paixões,
Invoca a sua seriedade, de admirar
Pelos que engana diaramente, os parvalhões!
Deixam o amor e essas tretas
Mascarar um belo embrulho de petas!

Deita-se na cama, contente consigo mesmo.
Foi mais um dia em pode ser homem,
Dominou os outros e foi macho a esmo!
Beija a mulher, como sempre, sem
Nunca lhe dedicar a palavra do amor
Que oferece cegamente a outro calor.

Pede, na sua mente, onde ninguém o ouve,
Tranquilidade, pelo menos por uma noite.
Há muito que não se recorda, se é que houve,
Duma manhã onde não se tenha sentido um alcagoite,
Onde, na loucura do sonhado,
Não tenha visto aquilo que faz, como errado!

Não. Provavelmente será só do cansaço.
Descansa, bandido, descansa.
Amanhã, vais precisar do teu carnal inchaço.
Só assim a fera da rua se amansa,
E podes voltar, tranquilo, com a alma distraída,
À mentira a que tu decidiste chamar vida!

domingo, 8 de abril de 2012

Sem sentido.

Apetece-me dizer coisas sem sentido. O Mundo, quando gira, faz cócegas na barriga. Os rios caminham sobre os seus leitos e os peixes tentam-lhes fugir o mais depressa possível. A terra acabada de regar pela chuva é mole e desagradável e seria muito pior se a pisasse sem estar calçado.

A minha barriga vai ficando mais gorda, culpa dos biscoitos que se me apresentam diariamente. As minhas pernas cansam-se de não ter vontade de perder a letargia. Os meus olhos procuram todos os dias no ecrã a resposta às olheiras que os embelezam.

Estou rodeado por belezas de todos os feitios, mas não ligo a nenhuma. Deus é bom e traz-me muitas bênçãos, apesar de quase ninguém crer nisso. Raramente estou sozinho, mas só quando te tenho perto de mim é que me sinto acompanhado.

Isto continua-me tudo a não fazer sentido. O que não deixa de ser curioso, porque é isso mesmo que procuro com muito afinco. Nem que seja o sentido de eu ter querido escrever isto. Porque andar muito tempo sem sentido é semelhante a um computador antes de colapsar e apresentar um erro fatal.


(Gostava de saber escrever sempre coisas bonitas, que fizessem sorrir por estar bem escritas e por serem especiais para todos os que lessem. Nunca mo ensinaram, por isso vou continuar a escrever isto que só eu leio.)

domingo, 1 de abril de 2012

Chuva.

É curioso.
Olho todos os dias,
De forma interessada
E decerto inteligente
Para as gotas da chuva
Que caem à minha frente.

Tenho o problema
Que não passa na cabeça
De quase ninguém -
Praticamente nunca chove.
Por isso mesmo
Isto pode soar a mentira.

Mas não é mais que verdade.
Se eu vejo as gotas
Onde o meu ser
É reflectido perfeitamente,
É porque chove a potes,
Afirmação irrefutável.

Como pode uma pessoa
Que não vê pelos meus olhos
Dizer-me, de forma séria
E exaustivamente deliberada,
Que eu não vejo a chuva
E o meu reflexo nas suas gotas?

Má-vontade e arrogância!
Esses ignaros, de olhos vendados
Com as mãos suplentes
Que nunca utilizaram,
Provavelmente porque não sabiam
Que elas sequer existiam!

Mal têm tempo de perceber
Que o seu Mundo varia
De íris para íris,
Ao sabor da mentalidade
Do coração formado
Pelas dores individuais!

Pois que continuem a duvidar!
Eu cá continuo a ver-me,
Sobrancelhas franzidas
E cara molhada,
Boca mais que salgada,
Bochechas reluzentes!

Não pensem que é com gosto
Que me vejo nas gotas da chuva!
Eu nem aprecio muito este temporal.
Apenas estou numa frente fria,
Vinda da zona Norte da existência
Que decidiu a minha criação.

Aguardo pacientemente
Que este temporal passe.
Estico muitas vezes a mão
A pedir um guarda-chuva
Para não me constipar,
Porque perco-os sempre.

Serei louco por ser o único molhado?
Se calhar a chuva misteriosa
É um sinal da minha insanidade.
Enfim. Será impressão minha.
Continuo a ver a chuva e nas suas gotas,
Eu, na minha existência encharcada.

No entanto, gostava de me ver
Pelos olhos dos cegos
Que me classificam como louco.
Será que teria um corpo tão largo,
Um olhar tão vazio de foco,
Uma barba que teima em não crescer?

Um nariz que torto não se quer endireitar,
Uma testa alargada pelo conhecimento
Que julgo acumular para meu bem-estar?
Um cabelo desalinhado e preguiçoso,
Uma boca arrogantemente sarcástica,
Disfarce perfeito do poeta?

Poeta? Como me posso eu chamar de poeta?
Está certo que escrevo umas linhas,
Às vezes rimam e têm metáforas bonitas.
Mas isto que escrevo, desabafo confuso,
Poderá ser chamado de poesia?
Não sei, nem vou chegar a essa conclusão agora.

A única coisa que depreendo
Deste meu exercício alheio
Às regras impostas pelos idos génios
É que continuo sem respostas a perguntas
Que nunca fiz a ninguém, nem a mim.
E a chuva não parou de cair. Nem sei se parará.