domingo, 25 de dezembro de 2011

Conto de Natal.

Era uma vez uma velha que fazia anos no dia 24 de Dezembro. Ela gostava muito do Natal. Um dia, o neto dela morreu. O Natal perdeu a graça. Mas pensou, pelo menos tenho o meu marido ao meu lado. Alguém com quem chorar.

Um dia, o marido enlouqueceu. Da cama já não sai. A mente há muito que se foi embora. O Natal, para ela, perdeu ainda mais piada. Mas pensou, pelo menos tenho as minhas filhas, de certeza que me vêm cá consolar.

Um dia, a sogra de uma das filhas adoeceu. Ela não pôde aparecer. A outra filha fez questão de aparecer quando não estivesse lá mais ninguém, durante alguns minutos. A filha que resta esteve o tempo necessário até ter que ir preparar o seu próprio jantar de Natal.

E para a velha, restou-lhe a companhia das lágrimas. Perguntaram-lhe então nesse dia, avó, não queres que venham cá no Natal? Não, não posso, olha para isto, com este quadro tão triste.

Um dia, o Natal fora o dia em que a velha ficava com a família em casa e era feliz. Hoje, é só mais um dia para implorar pelo fim. E ele tarda em chegar.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Negrume.

Tudo negro. Mas negro como um planeta coberto de fumo. Não é negro como a música feita por milionários depressivos. Nem negro como a tristeza etária. Não. É negro como a ausência de tudo. E isso é o que vejo. Limpo os olhos mais que uma vez. Não, não era fuligem. Não há mesmo nada à minha frente.

Terei ficado cego? Não, não existe nada para eu ver. Terei ficado sem olhos? Não, eles apenas não acham nada para ver. Se calhar são as ligações nervosas. Também não. Não existe nada que possa descodificar, porque não existe nada. E eu?

Se falo sobre isso e penso sobre isso e escrevo sobre isso, logo existo. Mas estou sozinho? Certamente que não. Então o problema é mais negro do que eu julgava.

Procurei dentro de mim. Vi a existência que conhecia, desde sempre, a esconder-se, a saltar precipícios metafóricos, a cortar pulsos inexistentes, a enforcar pescoços literários. E eu?

Eu continuei a ver. Medo? Não, o medo não me aflige. Apenas me sinto deslocado disso. Da dor que causa ver a minha base existencial a desaparecer. A desaparecer no negrume em que se tornou o meu conhecimento.

21 anos. Quase 22. Aprendi, vivi, amei, confiei. Hoje, todos os que me rodeiam põem em questão a minha bagagem. Terei aprendido? Vivido? Amado? Confiado? Sim. Os outros, não sei.

Pai. Pai. Pai. Pai. Pai. Pai. Só tem 3 letras. Mas causa tanta insegurança. Mãe. Mãe. Mãe. Mãe. Só tem 3 letras. E eu não sei o que fazer com elas.

Eu. Já não sei o que sou. Sei que estou triste. Percebo que quero fugir. Mas as palavras já não são o caminho suficiente. Preciso dos vossos braços para chorar.

Mas vocês não os têm disponíveis. Não por não os esticarem, mas porque entendi finalmente o negro. Longe de vocês, vejo tudo.

Só não consigo ver perto de vocês. Vocês amam-me. E eu também. Mas não vos consigo identificar o suficiente para vos dizer e mostrar.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Velho - a dissertação.

A minha mãe está velha.
Ela própria mo disse.
Mas não era necessário,
Eu já o tinha percebido.
As rugas são mais que muitas.
Mas não é a pior.

A minha avó está velha.
As lágrimas secaram,
Agora só existem rastos
Debaixo dos olhos, um pelo
Neto perdido, outro pelo
Marido enlouquecido.

O meu pai também está velho.
Foge da casa que o envelhece.
O carro dá-lhe mais juventude
Que uma mulher velha apaixonada,
Uma filha descrente nele
Ou um filho emocionalmente mudo.

Eu também me sinto velho.
Sinto a farsa do bem-estar
A cair de podre, aos pedaços.
Sinto a alegria a secar, como uma
Passa, a tornar-se em cansaço.
E no entanto escrevo.

Estas palavras são velhas?
Será a estrutura velha?
Não sei, os olhos ainda
Estão muito jovens, tornando
Impossível reconhecer a velhice.
Mas fecho-os, de qualquer forma.

Há coisas que devem ser feitas assim.
Instintivamente, sem pensar muito.
Dar largas ao coração e às palavras
Que se escondem lá. O cérebro tem muitas
E bem mais complexas, mas são chatas.
Envelhecem mais depressa.


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Escrita normal.

Pensei em animar o meu amigo. Porque ele tem estado triste. Porque a sua auto-estima sugere níveis baixos. Porque é demasiado consciente do papel que representa. Foi aí que surgiu. A milagrosa ideia, capaz de quebrar as barreiras mais insólitas. Barreiras de inveja. Barreiras de medo. Barreiras de respeito. No fundo, quis imitá-lo. Para o lisonjear, de maneira a que ele perceba a sua grandeza. Não falo da física nem da psicológica. Falo da sua grandeza literária. Porque mesmo em repetição é bom. Porque mesmo no plural não cansa. Porque gosta muito da junção da proposição "por" com o pronome "que". Fiz isto não por pena. Sinto demasiada rivalidade para o desonrar dessa maneira. Também não o faço por gabarolice. Para demonstrar que consigo escrever no seu estilo. Fiz para criar o melhor texto do Mundo. Mas não consegui. Isto é apenas um tributo. Um tributo a um gajo que se esconde atrás das suas letras e piadas para construir a sua realidade. Mas não deixa de ser bom. E como ele diz, "tristes aqueles que não são reconhecidos".

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Misturas.

Um dia caminhava um homem pela rua. Aliás, andava, não caminhava. Se caminhasse tinha algum propósito por detrás do movimento. Este homem não. Se as pernas se moviam de forma rítmica e sincronizada não era do seu conhecimento. Era um pouco complicado até perceber se ele tinha conhecimento de alguma coisa. Os seus olhos apresentavam um brilho vago. As luzes dos candeeiros daquela noite barulhenta da copofonia iluminavam as suas íris. Mas então, seria ele uma máquina, um mutante, um produto de algum mistério científico surpreendentemente inteligente?

Não. Era apenas um homem cujo cérebro se tinha ausentado por tempo indefinido do seu crânio. Mas então por onde andava o conhecimento de si próprio? Num céu cor-de-rosa, flutuando entre montanhas de cumes rosas e florestas densas (ou não) com riachos no centro. Entre estas duas paisagens distintas figurava uma planície deserta, onde uma pequena cratera guardava pequenos animais e poeira. Decidiu continuar o caminho atravessando as florestas. Verificou que o riacho no centro desbocava numa imensa cascata, com dois braços rochosos a acompanharem a queda. De repente, sentiu calor. Muito calor mesmo. Tanto calor, que se viu livre das suas roupas, cuja existência lhe era alheia. Infelizmente, o calor piorou até. Finalmente percebeu que tinha mesmo à sua frente uma torrente de água fresca pronta para ser utilizada. Nem pensou duas vezes. Planou o mais rápido que conseguia em direcção à cascata. Mergulhou de cabeça, e o alívio do fresco transportou-o para outro plano. O da inconsciência transcendente, onde apenas se visualiza o nada que todo o ser incorpora.

Entretanto, o nada desvaneceu-se. Quando abriu os olhos, estava completamente nu, deitado numa cama com cheiro a insectos e prostituição. Por baixo de si, encontrava-se uma boa imitação de uma mulher, com algumas picadas de agulha no braço, um maço de notas na cabeceira e um rio de esperma na vagina. Reparou que a foz desse rio era o seu pénis. Foi quando percebeu que não se lembrava de absolutamente nada. Nesse dia, aprendeu uma boa lição. Decidiu nunca mais confundir vodka com água. Tomar comprimidos assim não era tão gratificante como julgara.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Estou mesmo muito cansado.

Olho para o reflexo do vidro da camioneta. O destino, já soube, mas esqueci-me. Estava a pensar em ti e perdi o sentido do que estava a fazer. Também não era importante. O importante era localizar-te nos meus pensamentos. Ver-te de novo na minha imaginação. Observar-te na minha mente. És tão bonita lá como na realidade, com a diferença de ser complicado tocar-te nos recônditos do meu ser. Mas isso não te impede de me tocares, normalmente de forma furtiva. Pelo menos suponho que assim seja, porque nunca consigo tocar-te de novo quando te sinto dentro de mim. Infelizmente, este dilema teve que ser interrompido. Voltei ao mundo real e percebi que o vidro estava molhado, por isso estar a observá-lo. Olhei para cima, em busca da chuva que provavelmente teimava em cair e deixar-me tão melancólico. Não vi fuga nenhuma, portanto voltei a olhar para o vidro e vi o meu reflexo. Aí descobri que afinal não era chuva. Eram as saudades tuas pela minha face. Limpei-as, sem as deitar fora, guardei-as de novo no meu coração e virei-me para o outro lado. O cansaço é muito, mas não é por preguiça que vou deitá-las fora amanhã. Vais voltar a ser real e a deixar-me tocar-te. Aí reciclarás as saudades que te dei e, furtivamente, quando deixar de te ver, voltarás a colocá-las em mim. E eu percebo porquê. Eu também tenho medo de te perder quando olho pelo vidro da camioneta.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Para o meu amigo Coelho, muito amor.

Obrigado pelo passe mais caro,
Para a injustiça tens faro,
A saúde piora e assim eu não saro
A vontade que eu não paro
De contaminar o teu reinado
De ditador dissimulado,
Burlão mascarado,
Masoquista entusiasmado
Com a dor do proletariado,
Que te agradece com agrado
A forma como nos tens enterrado.

Amigo Passos és um camarada,
Por ignorares a frente irada
Que se cansa da tua perdição
E longe de ti procura a salvação!

Obrigado pelo descrédito da juventude,
Que é vista por ti com quietude,
Connosco não queres ter uma atitude,
Duvidas que um dia isto tudo mude,
Mas não te esqueças que os oprimidos
Invariavelmente se tornam unidos,
Vivendo até serem ouvidos,
Correndo até serem temidos,
E aquilo que um dia foram gemidos
Podem ser o inferno nos teus ouvidos!

Amigo Passos és um porreiraço,
Dizes-te receoso do dinheiro em maço
Quando ele é o teu melhor amigo,
Aquele que anda sempre contigo.

No fim de contas eu sou ninguém
Enquanto que tu és alguém,
Que é ouvido por outrem,
Conhecido até ao além.
Mas então vou-te apresentar
O velho que andas a roubar
E que morre sem se alimentar,
A criança que quer brincar
E o futuro andas a prejudicar,
O jovem que quer estudar
E os livros andas a queimar,
O doente que se quer curar
E a sua medicina usas para te drogar,
O país que se quer levantar
E que lentamente tentas matar,
O povo que se quer salvar
E que queres agrilhoar,
O ninguém que te está a avisar
Mas para o qual te estás a cagar!

Amigo Passos, és um bacano,
Por incluíres os teus amigos no teu plano,
Mas para te falar do fundo do coração,
Contigo, até o inferno parece a Salvação!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Dia dos finados.

No dia 1 de Novembro, estava um dia tristonho. Nada nele mostrava alegria. As cores fugiram para as suas tocas, deixando cá fora o vazio e a solidão visual. Senti algo a cair na minha cabeça. Algo gelado e no entanto a arder de sentimento. Era a tristeza em estado líquido. Naquele parque de estacionamento, no lugar de carros estacionaram corpos. Não estavam mortos, apenas não tinham nada. As bolas de vidro que faziam o lugar de olhos esperavam algo que as fechasse. Andavam como bits num sistema informático. Sem vida, programados, sem erro, sem variação, sem vida.

No meio disso havia os oportunistas. Saídos dos lugarejos de ignorância auto-proposta em que se refugiam, arrecadavam o metal. Estremeciam e resplendiam de forma doentia ao conseguir as moedas de gorjeta. Notei que o único que de verdade trabalhava o ano todo era o que não participava. Os oportunistas não o iriam deixar roubar os trocos. O fumo negro saía da torre branca. Torre que guarda o fim dos outros. Daqueles que já passaram por nós. dos que completaram a corrida e ganham como prémio a incineração. Entretanto, no geral ignorado, caminho eu. Não como um qualquer Messias que anuncia a chegada de Jesus. Apenas um entre a multidão. Mas fora dela, vendo o que se passa. E pese embora a revolta cresça em mim, mantenho-me quieto. Eu não sou nada, logo a minha revolta não é nada.

Não adianta ficar triste por ver seres humanos recordarem os seus entes mortos só num dia específico do calendário. Por fazerem disso um dia de festa. Não adianta ficar irritado por ver pessoas aproveitarem-se para fazer da morte negócio. Por conseguirem facturar bastante com isso. Não adianta ficar frustrado por gritar ao Mundo o que se passa e não me ouvirem por ser pequeno demais. Por ter que aguardar por uma credibilidade que pode não chegar para ouvirem as minhas verdades.

Mas, afinal, quem sou eu para dizer que o que digo é verdade? Um gajo crente demais para acreditar que é a Maldade e o Interesse que comandam a vida, e não o Sonho.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Amar-te é isto.

Agarro-te a mão
E percorro o Mundo.
Galgo montanhas e vales
Quando me apertas.
És o caminho em frente.

És a minha poção
Da omnisciência sensorial,
Tomo-te e tudo sinto,
Deixam de existir segredos,
Fica tudo fácil para mim.

Curas-me as falhas,
Erradicas-me a sombra.
Iluminas a minha existência
E inventas-lhe o sentido.
Tornas-me puro no teu amor.

No fundo, és tudo o que desejei,
Aquilo que chorei por não ter,
O que julguei não existir.
És o amor da minha vida.
E no entanto és muito mais.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Marco Aurélio Galvão Teixeira.

Sempre te vi longe. Nunca tive coragem de me aproximar de ti e dizer-te o quanto te admirava. Havia um poço enorme entre nós, mas acho que nunca te apercebeste da sua existência. Pudera, para ti o Mundo era um punhado de acontecimentos facilmente decifrados. Para mim, eram espinhos de todos os lados prontos para me magoar. Por isso, quando o poço ficou demasiado fundo para eu conseguir atravessá-lo, tu não te preocupaste. Com o teu sorriso habitual, deixaste-te ir, sabendo o teu lugar em mim. E um dia, quando ganhei coragem para atravessar o poço, tu já estavas nas suas profundezas. Eu já não te podia alcançar. Na verdade, até isso tu me perdoaste. Tanto me perdoas, que ainda hoje a tua memória me protege e sorri para mim. Para me mostrar que tenho de deixar de complicar. Para me mostrar a felicidade. Para descomplicar o Mundo como só tu sabias fazer. Mas só complicas as saudades que tenho da tua existência.


quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Nem tudo o que parece vem de Abu Dhabi.

A minha vida já não tinha sentido. Não porque não tivesse mais pessoas onde me apoiar, mas porque já tinha cumprido tudo o que havia a cumprir. Podia sentir as rugas no meu ser. Custava-me simplesmente a sonhar. O sonho para mim estava realizado e acabado. O que restava eram migalhas de memórias recalcadas. Por isso para mim chegara a hora. A hora de descobrir o que me aguardava do outro lado. Onde a expectativa e a crença eram as únicas certezas.

Afinal, parece que nada. Tudo isto que eu sentia era um tumor cerebral. Conseguiram eliminá-lo a tempo. Já me sinto jovem de novo. Eu bem estranhei sentir tanta velhice aos 25, mas como nenhum dos meus colegas de sueca estranhava, eu achei natural. O problema vai ser descobrir como funcionar com este corpo jovem. Bem, agora já não preciso de urinar nas calças ou chorar de solidão para que as raparigas me abracem. Talvez aí vá descobrir finalmente o que os meus amigos chamam de "tusa". Espero que seja diferente da dilatação que senti nas virilhas na primeira vez que vi o "Brokeback Mountain".

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Jesus caminha connosco.

Queres afastar-me, deixar-me sozinho.
Queres acabar, pregar-me medinho.
Não falas com um chavalinho,
Não tenho medo de te partir o focinho.
Eu não ando sozinho, tenho alguém
Que não me deixa ser ninguém,
Que me incentiva a fazer o bem
Sem nunca querer olhar a quem.

A tua retórica é coerente,
Mas a tua língua só mente,
O teu coração não sente,
O teu ódio cumprimenta-me de frente.
Receias a minha luz cabrão,
Sabes que ela te manda ao chão,
Sabes que ela encerra a razão,
Sabes que as chamas são a tua punição.

Garantes que Ele não existe e insistes
Que somos ovelhas e só tu permites
A liberdade que só tu transmites,
Mas é tudo falácia sem limites!
Tu ostracizas e aterrorizas,
Levas os mortos ao peito tipo divisas,
Fazes férias nos Mónacos e Ibizas
Á pala dos otários que minimizas!

Se escrevesse sobre o Amor
Ou política, receberia ardor,
Todo o feedback e calor
Associada à minha alegria ou dor.
Mas se falo na necessidade de Deus
Lavar estes pecados meus,
Já pertenço àqueles plebeus,
Mais burro que todos os ateus.

É essa a tua intenção, não é? Palhaço!
Gozas com todos no teu fatinho com laço,
Enquanto te perfumas com um verde maço
De ardores nossos, roubados sem traço.
Mas prefiro andar todo esfarrapado,
Pela sociedade alta e rica odiado,
Com os pés negros de tanto ter sangrado
E com Jesus todos os dias do meu lado.

sábado, 15 de outubro de 2011

A minha alternativa.

- Oi. Oi! Tu, sim tu. Tu que olhas para o horizonte com os olhos turvos. Eu lembro-me de ti! Não eras tu que tinhas aquele imenso talento? Que um dia todos os problemas se solucionariam assim que estalasses os dedos? Eras tu sim! Então? Como vai a vida? Tens conseguido maneira de espalhar a tua magia pelos comuns mortais? Vejo que sim, essa tua face apodrecida e esse corpo ressequido dizem-me que tens conseguido muito sucesso. Fico muito feliz por ti! Imagino que essa pistola seja para disparar uma salva em tua honra! Que bom, conseguires um momento de sossego só para ti. Com a fama que tu deves ter alcançado, aposto que é raro estares assim ao abandono. Bem, gostei de te ver. Espero que continues a mostrar o dom que nasceu contigo. Invejo-to diariamente. E não te preocupes, é normal tremeres tanto de emoção, não é todos os dias que somos os melhores naquilo que fazemos. Mas se calhar era melhor limpares as lágrimas. Alguns podem considerar um acto de sentimentalismo excessivo. Tudo de bom para ti.

"E, ao afastar-se, ouviu um tiro. Os pássaros afastaram-se, o ar recebeu as ondas de choque e eu sorri. Não reparei no jorro de sangue que saía daquela melancia esmagada que outrora fora um crânio humano. Não era essa a minha função de qualquer das formas. Como simplório que sou, apenas passeava, sem nada para fazer depois do meu trabalho comum, 8 horas por dia, 5 dias por semana. De forma simples, fiquei feliz. Ele sempre tivera talento, sempre lho disseram. Mesmo quando vários colegas apareceram com trabalhos bem melhores que os dele, não desistiu e continuou. Mesmo quando esses colegas foram laureados, ele não parou. Mesmo quando lhe recusaram a existência profissional, ele não parou. E agora provavelmente estaria a ensaiar o discurso de vitória. Felizmente vejo tudo de forma simples. Ai de mim complicar tudo como ele. Tenho pena de não ser tão inteligente como ele e prestar atenção a todas as notícias. Gostava de o ver na televisão."

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Quem quer viver para sempre?

Roubas sem pedir, tu. Não escolhes idade, não escolhes local, não escolhes nada. Nem sequer escolhes quem magoas. Não tens capacidade para isso, suponho eu. Para ti, não passa tudo de um jogo. Lanças os dados e a combinação que calhar diz-te onde será o teu próximo assalto.

Não te percebo. Há quem assuma perceber-te e até esperar por ti serenamente. Não acredito nisso. Como é possível querer-se receber em casa, no nosso ambiente familiar, alguém que existe apenas para desconstruir edificações de anos e anos de trabalho emocional? É por isso que o fazes? Por ninguém te querer? É uma conta paga em raiva a que descontas em nós?

Morte, eu odeio-te. Não é a tua existência, mas o que a tua existência cria em mim. Não quero ser egoísta, nem medroso, nem melancólico. Mas os teus roubos deixam-me assim. Se tanto roubas aos outros, porque não experimentas devolver? Fazer o bem, por uma vez na tua vida miserável.

Podes andar atrás de mim o tempo inteiro, podes levar-me quando quiseres, mas pára de roubar-me. Não tenho quem me proteja de ti. Eu imploro-te. Por um segundo, pensa bem antes de me roubar de novo. E se o fizeres, eu não vou compreender. Nunca.

Isto para ti são só caracteres, não é? Se tu ligasses, não matavas à descrição. Este é um esforço inútil não é, Morte traiçoeira de merda? Não vale a pena por-me com floreados e analogias e metáforas do caralho que te foda, porque tu, vezes e vezes sem conta, vais roubar-me até ficar sozinho não vais?

Puta de merda... E o pior de tudo é que não respondes. Não reages. Não nada. É como se não existisses. Até ao dia em que o assalto se dá. E toda a esperança do teu desaparecimento dissolve-se no teu rasto. E a revolta regressa.

Não quero viver para sempre. Mas não quero viver sozinho.

sábado, 1 de outubro de 2011

Culto da personalidade.

Olhas para ele e vês poder,
Sentes os cifrões na pele,
Vês nele o "vai-te foder"
Sempre que precisas de papel.

Não imaginas sequer o tempo
Que aquele manequim levou
Para se poder tornar o exemplo
Da aristocracia que ninguém renovou.

Mas no entanto vives calado,
Com medo da resposta
Que te deixe acabado,
Habituas-te à encosta

Puramente ficcional
Que a ilusão te provoca,
Em vez de fazeres o exercício mental
De tirares o coração da toca

E dizeres, com acções,
Estou farto de ser enrabado,
Estou farto que me capem os culhões,
Estou farto de ser condenado

À falsa iliteracia social,
Eu quero mudar o Mundo,
Eu quero tornar-me o tal,
Eu quero tirar-nos do fundo!

Mas preferes olhar para outros
E resignar-te às suas falhas,
Preferes que vos tratem como potros,
Bebés nascidos ao calhas.

Eu talvez não vá fazer barulho,
Ou festejar as minhas vitórias,
Talvez acabe deitado no entulho
Vendo otários cheios de glórias

Mas na terra focinharei
E a boca ficará aberta
Até poder dizer "a hipocrisia enterrei,
A verdade escrita será a certa."

sábado, 27 de agosto de 2011

Fatalistas da tasca da esquina.

"A natureza é assim mesmo. E se pensavas de outra forma, enganaste-te. Julgavas que podias continuar de olhinhos puros e ingénuos? Não, tens que chafurdar na merda de mundo que nos consome. E nem penses em tentar alterar algo! Esta é a nossa sina e com ela temos que viver! Uma sociedade civilizada assim exige, valores não aceites e defesa de mentiras sociais, fora daqui! Ou te rendes à máquina, ou te rendes. Quem faz frente desaparece e nem sequer é mencionado! Tinhas sonhos de ser um grande exemplo, de te passeares no teu manto de retalhos, proclamando a salvação dos oprimidos enquanto te tornavas o baluarte das gerações futuras, famintas por algo em que acreditar não era? Pois podes enfiar esses sonhos pelo cú acima! Porque assim que te vires lançado às feras no mundo real, verás que os teus idealismos não passam de utopias sem emenda! Ainda tens muito que crescer, ver muito, ganhar mais experiência!"

Prefiro ser um pedinte desconhecido, fiel aos meus valores, com uma carcaça por dia, do que um milionário sem moral, conhecido e amado por todos, com banquetes por hora. Daqui só levarão a verdade. Se isso me dará apenas desgostos e desemprego, pelo menos lutei.

É pena a luta ser minoria.


Sinto a tua falta.

É o teu aroma.
É essa tua existência,
Insistente permanência
Na minha implacável Sodoma.

Essa tua ondulação
Física e psicológica,
Esse jogo de lógica
Com que me cegas o coração.

É a tua presença sentida,
Pela tua ausência
Na minha essência.

É a saudade vivida,
Pela clarividência
Dum beijo futuro, sem clemência.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fuga.

Vejo-te à distância. Caminhando, um passo de cada vez. Formosa, bela, como nunca o reconhecerás. Vejo quanto do teu passo se atrasa para caminhar comigo. Isso faz-me pensar.

Estarei eu a atrasar-te? A arrastar-te para um tempo que faz o teu corpo ressacar por algo mais avançado? Serei eu a âncora que te mantém no fundo das tuas capacidades?

Não penses que não observo o teu sorriso. Eu faço mais do que isso. Eu sinto-o. Guardo-o no meu coração. Assim, nas alturas de maior aflição, posso recordar-me dele e esperar por tempos melhores.

O problema é quando, com um sorriso, me dizes que tudo está bem. É natural atrasares-te. É normal esperares por mim. É comum chorares.

Deus sabe tudo. E também sabe o quanto te amo. Mas não te sei dizer o que é amor. Será sonhar-te eterna? Ou desejar sofrer pelo teu bem-estar?

Gostava de te explicar num poema o quanto és para mim. Mas percebi que não era capaz. Porque poesia não são as palavras. És tu.

E a poesia é mais bonita quando lida sofrida. Mas neste caso, sei que o poeta não finge. Deus não mente. E como criação dele, apenas reflectes a tua existência.

E é quando vejo esse fosso a aumentar no teu olhar que percebo. Tenho um machado que te despedaça lentamente. Sou eu que te esquartejo aos poucos.

Deus, pelo amor do Teu nome, tira-me este machado. Cura-a dos meus golpes. Une-nos no Teu amor.

Deus, deixa-me amá-la. Deixa-me respeitá-la. Deixa-me ser o que ela necessita. Deixa-me ser eu.

Não me deixes fazê-la fugir.

(Kanye West, Runaway)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Na câmara do rei da montanha.

Olhando para baixo, solene,
Impávido às desgraças
Daquelas pequenas traças

Que esvoaçam histéricas
Debaixo do seu olhar soturno
Está o rei nocturno,

Envolto na escuridão
Do seu pensamento,
Desprovido de sentimento

E desconhecedor de alma.
Para ele, humanizar
É como desventrar,

E no seu interior
Não cabem órgãos.
Todos os que, sãos

De corpo e de espírito,
Se negam a reconhecer
A maldade no seu entardecer

Mais tarde ou mais cedo
Se vêm isolados,
Na escuridão enforcados

Pelas manhas do rei nocturno.
Na sua montanha luz
É algo que não se produz,

Mas os receosos que,
Ignorantes ou loucos,
Fazem ouvidos moucos

À precaução e tentam
Vencê-lo com armas,
Ódio e karmas

São imediatamente corrompidos,
Tornados insectos escuros,
Grotescos e impuros.

Apesar de tudo,
O rei nocturno
Olha, taciturno,

Para o horizonte.
Sabe que o seu poder
Pode, enfim, desaparecer,

Assim que a alvorada se der,
O Sol à vida regressar
E com luz purificar

Todos os corações
Que como uma tela,
Ficaram com uma mistela

Negra, não por fraqueza,
Mas por obediência
À maldade da sapiência.


(Edvard Grieg, In the hall of the mountain king)

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Carrossel.

Rodeado por figuras enormes,
Do tamanho que o Mundo lhes quis dar,
Sinto-lhes a forma mas retiro
Que o seu objectivo não é estético
Nem sequer seguir uma regra estruturante,
Mas sim um desanuvio suspirado
Numa hora de maior calor criativo.

E vão girando e girando à minha volta,
Tão rápido que eu perco o conceito
Daquilo que eles para mim eram,
Passam a figuras disformes
Que me confundem toda a mente,
Flutuando-me em sentido contrário
À corrente que eles seguem no seu giro
Que tem de tudo menos de planeado.

Quando decidem parar, o meu sentido é lançado
Contra o chão proporcionado pela imaginação
De quem me colocou em tão demente
Casa de bonecas, verificando eu que tudo
Estava diferente. Objectos diferentes,
Um aroma diferente no ar, uma atmosfera
Diferente, mas algo mantinha-se na mesma.
O meu tamanho para com o que me rodeava.

Nem mesmo o fato negro que de súbito me apareceu
Contrastava o suficiente com a diferença de tamanho.
O medo metafórico neste panorama abstracto
É tanto que tento fugir, mas a bloquear-me
Estão pequeninas pedras, inertes e frágeis
Que têm algo de familiar. Mas não me recordo.
Só quando os sólidos me tentam esmagar entendo
Que aquilo que magoava os meus calcanhares
Eram os sólidos que há pouco giravam.

Agora eram tão minúsculos que não lhes liguei.
Erro meu. Poderiam ter-me preso ao chão,
E não teria que voltar a sofrer com todas as voltas.
Mas aprendi a lição, nunca esquecer o que deixei.
No fim da rotação, vi-me novamente rodeado
De gigantesas diferentes, iguais no tamanho.
Haviam uns cascalhos à frente dos meus pés.

Afastei-os com um pontapé.
Estavam a incomodar-me.

(Yes - Roundabout)

sábado, 21 de maio de 2011

O quadrado.

Éramos um quadrado sólido,
Assente em quatro cantos
Indiferentes a qualquer ruído,
Construídos com bonitos mantos
De amizade, como irmãos santos.

Mas se santos entre nós fomos,
Agora não somos mais que destroços
Que num baú de mentiras pomos,
Na esperança de que os fossos
Que construímos deixem de ser nossos.

Sinto-me como um pilar solto,
Separado da sua fundação,
Vendo à sua frente, morto,
O sólido que simbolizava a união
Que tínhamos na palma da mão

E que, sem lhe darmos valor,
Se foi desvanecendo naturalmente,
Caindo-me agora, com esplendor,
O trovão que exorbitante
Me anuncia o fim, de forma acutilante.

Porque de momentos se faz a compreensão,
De palavras se fazem as relações
E foi hoje, ao olhar-nos no coração,
Que percebi que já não éramos leões,
Mas carcaças pútridas fingindo-se amigões.

sábado, 14 de maio de 2011

Se o sou, é graças a ti.

Posso não conseguir moderação
Nos comportamentos numa situação
Que possa exigir toda a minha compreensão
Ao contrário da minha desatenção,
Posso não ser rei da beleza,
Não conseguir encher de comida a mesa
Ou decidir o meu caminho com certeza,
Posso não manter a minha alma ilesa
Dos milhões de pensamentos
Que em todos os momentos
Me exibem tormentos,
Vencendo quase sempre os sentimentos,

Posso fechar-me na arrogância
Que sempre em 1ª instância
Me arrastou para uma petulância
Sem esperança ou ânsia
De um dia ser um projecto renovado,
Posso também ter contribuído
Para ser por aí detestado
Pelo meu feitio afamado,
Posso odiar muito do que fiz
E invejar aquilo que por ti não fiz,
Posso não ter tudo aquilo que sempre quis,
Mas raios me partam se não sou FELIZ!

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Monstro.

(Monster, Kanye West)

Olho para todos os lados. O roncar que a minha barriga, invulgarmente activa faz, desperta-me de um sonho acordado. Arreganho os dentes, lambo os beiços, estalo os dedos e começo.

Palavras para um lado, frases para outro. Gritos aqui, lágrimas ali. De forma frenética, todos caem, tal pinos de bowling ao sabor de uma bola invisível lançada pela cadência da minha verborreia.

Começo a sentir todas as células do meu corpo a pedirem mais adrenalina. Respondo à letra, mexendo-me no dobro da velocidade, no dobro da agressividade, no dobro da insanidade.

No fim, a poeira ainda não assentou do meu crescendo vocal em jeito recitado. Mas o meu corpo enche-se do sangue literário das almas que não conseguiram acompanhar os meus cantos.

E é neste cenário de guerra hipotética, de mortos cerebrais e comas culturais que me reconheço e que percebo a carnificina que o meu momento falado criou à minha volta.

Sacudo o choque do meu capuz, retiro o pó da excitação das minhas roupas, ajeito os meus óculos que me mostram a realidade em caracteres e penso para mim próprio:

Tenho que ter cuidado com o que digo, porque sou um Monstro.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Graça.

Sabes como se vê a pequenez da nossa existência? Quando vemos, do alto do trono construído sobre ego e arrogância os outros, que para nós são pequenos e felizes, com auras mais escuras que nós.

Com tanta desgraça que acontece à volta do "nosso" reino, os nossos problemas tornam-se do tamanho do cotão do umbigo. E o mais curioso é saber que a luz produzida pelo acreditar na vitória do dia seguinte paira sobre nós, mas quando tentamos partilhá-la somos chamados de "burlões".

Não deixa de ser engraçado perceber que as formas mais alargadas para falarmos do que nos faz felizes são vistas como "comércio" e não desabafo.
Enfim, umas vezes estou no trono, outra sou visto do alto. Comecei em cima e agora acabo na mais ínfima das humildades. Não quero ser o único a sentir a Graça, pronto.

Perdoem-me se consideraram propaganda o meu suspiro escrito.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Reflexo imperfeito.

A mentira fazia parte do meu ser,
Tinha como objectivo distorcer
Tudo aquilo que eu desejara,
Odiando a sorte que não tivera
De nascer tal qual como sou,
Uma alma cujo corpo nunca amou.

Reflexo imperfeito,
Como me pudeste enganar assim?
O que vi em ti não aceito,
O que me mostras não está em mim.

Gritei socorro, num tom assustado,
Mas o grito saía silenciado,
Abafado pelo medo da ignorância
Que nos olhares, em 1ª instância
A mentira fazia-me ver,
Com receio que eu pudesse deixar de sofrer.

Reflexo imperfeito,
Como me pudeste magoar assim?
Em ti imaginei o meu peito
Rasgado, como se fosse de cetim.

No limiar do desespero, caído no chão,
Senti uma ténue luz no coração.
Fui reerguido pela força da revolta
E posto a flutuar, com a alma solta,
Num antagonismo de estranhar,
Apesar de me ser tão familiar.

Reflexo imperfeito,
Porque continuas a insistir assim?
Já não suspiro no meu leito,
Já não anseio pelo meu fim.

Hoje, sou em tudo diferente,
E mesmo que por momentos tente,
Aquela máscara de uma realidade
Na qual não encontro identidade
Já não me causa temor,
Na essência encontrei o Amor!

Reflexo imperfeito,
Porque me olhas assim?
O que te fiz, já devia ter feito,
Há muito que merecias ter um fim!

(Letra para Artes Performativas)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Dinamite.

Todo o teu suor no meu corpo
Arde sem pedir licença,
Queimando-me do fundo ao topo
Do lugar para onde o teu olhar me lança

Sem contemplações ou maldade,
Onde a tua voz é rainha
E agita os meus sentidos sem piedade.
Cada vez que a tua pele toca na minha,

Desperto do transe induzido
Por esse movimento rítmico
Que me sussurra Vai!, e ali fico,

Com todo o amor traduzido
Correndo pelo meu ser dormente,
Pronto para explodir no coração e na mente.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Repost #1 - Ai os putos

Numa cela poeirenta, suja e descriminada pelos que lá passaram está presa de livre vontade a infância no meu ser. Guardada, apenas liberta por alguns momentos, mas com bastantes restrições, pois é ilegal na idade dela andar à solta. Por muito que a acesse, não é o mesmo. O tempo mudou-a. Dantes, fazia parte do meu dia-a-dia,com aquela simplicidade aterradora que tornava os meus dias complicados simples como uma conta de somar. Aquela facilidade de conhecimento, com que partia à aventura do desconhecido, sem medo do que poderia encontrar no outro lado, quando encarasse o desafio de conhecer alguém novo. Aquela sinceridade automática, como se o meu corpo estivesse programado para dizer a verdade como num impulso, cada vez que pensasse na aldrabice. Agora, é tudo fragmentos de um cenário substituível, peças de um puzzle desmontado após ter sido terminado ou cristais de um copo quebrado. Estão cá, mas já não são o meu modus operandi. Já não são a regra, mas a excepção. E isso, isso faz o meu coração apertar cada vez que visito essa cela. Pois todos os dias vejo memórias dela, espalhadas por todo o lado, como se de uma caça ao tesouro se tratasse. Ora são imagens dela, colorida, barulhenta e sem preocupações, abraçando-me como se mais nada no mundo existisse, ou vídeos dela correndo, saltando, apertando a minha mão e ajudando-me a percorrer o caminho que ela tão alegremente percorria, ou até mesmo documentos dela, tremidos, despreocupados e simplistas, como as cartas que ela me deixava apregoando a nossa relação tão especial. Mas um dia o tempo acabou para ela. E apesar de relutante, tive que deixá-la prender-se naquela cela, saindo só de vez em quando, quando é permitido ela mostrar-se ao mundo de novo, nem que por uns breves minutos. A minha tristeza, é saber que sei como a libertar, saber que a posso libertar, mas que a relação que tenho agora com o amadurecimento é algo mais satisfatório, que me preenche melhor, que me faz ser quem sou na realidade, impedindo-me, contraditoriamente, de a soltar, pois sei que o melhor para os dois é ela manter-se neste regime de aprisionamento. Embora saiba que o tempo que passei com ela nunca mais será esquecido. Daquelas risadas por tudo e por nada, daquelas brincadeiras tolas, e principalmente daqueles momentos em que, de mãos dadas, percorríamos o caminho que dá para a Vida, esperando que fosse sempre assim. Apesar da saudade, não a libertarei. Somos mais felizes assim. Mas um dia, a minha querida infância libertar-se-á de novo. Provavelmente não me recordarei da última vez que percorri o caminho com ela, nem de quem era dessa vez, mas voltarei a dar-me, e voltaremos a ser felizes os dois juntos. Apesar de amadurecer e envelhecer e morrer e renascer, a infância será sempre uma relação diferente das outras. Sem ela, já me teria perdido há mais tempo. E dou graças por poder visitar a minha infância sempre que posso. E de poder, por instantes, voltar a dar-lhe a mão e correr com ela.

sábado, 26 de março de 2011

Uma frase basta.

Verdade interrompida
Por pequenas e simples palavras,
Que ao vento foram lançadas
Sem noção de qualquer contrapartida.

Tudo aquilo que existia morreu,
Vítima de uma explosão em crescendo.
Toda a criação esfumou-se num segundo,
Perdendo o sentido que era só seu.

Em seu lugar, uma padrão ficou,
Com letras disformes e sujas,
De mentiras dolorosas e mudas.

Esse padrão, de vermelho se pintou,
Do vermelho que surge, solitário,
Na vida de quem foi feliz lá longe, no imaginário.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Dias de sorte.

Certa vez havia um rapaz, que gostava muito de uma rapariga. Ele decidiu declarar-se a ela. Mas o que obteve, em vez de um beijo ardente, foi uma chapada dolorosa. Este rapaz também tinha um problema: Era o alvo preferido dos bullies. Nesse dia o maior bully deu-lhe a maior pancada da vida, porque ele tinha uns ténis com 3 cores diferentes em cada atacador. Quando chegou a casa, enfiou-se no quarto e chorou a bom chorar, suplicando a si próprio: Quem me dera que ela gostasse de mim, que o outro parasse de me bater, quem me dera ter força sobre humana!!!

Bem dito, bem feito. No dia seguinte, mal chega à escola, a rapariga vai a correr em sua direcção, lança-se aos seus braços, entrelaçando a sua língua na boca dele de tal forma que todo o corpo se pôs em sentido literal e figurativo. Depois deste acontecimento feliz viu o bully chegar ao pé dele e pedir que o desculpasse por todo o mal que lhe tinha feito. Na cabeça do rapaz só passou uma coisa: Tenho força sobre humana! Então, decidiu correr para a estrada, esperar que um camião passasse e à frente de toda a escola, gritou no meio da estrada: Não se preocupem, eu tenho força sobre-humana!

No fim do sobre, o camião, que não o vê na estrada, por se lá ter metido repentinamente, passa por cima dele, fazendo um barulho parecido ao pisar de carne, sujando quem estava no passeio de sangue e tripas. Parece que a rapariga que lhe tinha dado um estalo era a irmã gémea da que realmente estava apaixonada por ele e o bully se tinha convertido na noite anterior, jurando a Deus redimir-se de todos os pecados que tinha cometido. Realmente há dias de sorte.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Mundo sem caracóis.

Chagas ardentes perfuram-me,
O sangue dissolve-se com o calor,
Os olhos rodam num treme-treme,
O corpo espasma de terror.

A terra, sem descanso, abate-se sobre mim,
Engole-me com toda a gula do Mundo,
Suspira-me nos ouvidos o fim
Com um pesar mórbido e profundo.

Mas, nas brechas da escuridão
Pintada sem controlo ou razão
Uma pequena luz penetra.

São os teus olhos de paixão,
Que me salvam do movediço chão
Para te poder sonhar perfeita, letra a letra.

segunda-feira, 7 de março de 2011

A luta continua.

Estava para fazer uma coisa completamente diferente. Postar um texto escrito por mim há uns dias. Mas depois de andar a pesquisar as notícias do nosso Portugal, achei algo delicioso.

Esperem, esperem, é lendário...

Prontos?

Os Homens da Luta ganharam o Festival da Canção!

E isto para quem os acompanha deste o tempo em que tudo ia abaixo, dos quiriquiris aos kalashnikov, das murraças no cangalheiro ao machista gay... Isto foi só um aviso. E o povo português cada vez mais se torna um touro enraivecido. Todos os meios servem para protestar contra a maior verdade silenciosa: Estamos fartos desta oligarquia aceite por nós!


quarta-feira, 2 de março de 2011

A primavera é tão linda.

Hoje, almocei e depois olhei para a rua. Estava calor, os pássaros cantam e o Sol convida à escapadela. Senti-me tão bem, que as minhas pernas levitaram sozinhas, levando-me sem esforço para um sonho cheio de passarinhos e ronha. Mas infelizmente caí com um estrondo. Lembrei-me de que tinha de fazer chichi. E então fiz. Quando terminei levantei-me, sacudi as calças para o líquido cair, pus um sorriso e continuei o meu caminho. Felizmente sou distraído e não reparei nas gargalhadas chorosas e nos esgares chocados dos que me rodeavam.

Cegueira.

No outro dia estava muito bem no autocarro, sentado ao pé da porta, quando um velho invisual se levanta dos lugares reservados, pois a sua paragem tinha chegado. Estava um moço em pé à frente da porta, e o senhor queria sair, mas não o via. Então chocou com o nariz nas costas dele. O rapaz assustou-se e como qualquer indivíduo do sexo masculino que se preze, soltou um guincho digno da mais alta soprano. O que se sucedeu foi dos motins mais rápidos de sempre, que em 2 minutos contados pelos dedos, espancou o moço, lançou-o fora do autocarro, urinou e escarrou por cima dele e tentou depois ajudar o velho invisual a passar. Eles não sabiam era que o rapaz tinha medo de narizes molhados nas costas, porque uma vez um cão cheirou-lhe as costas antes de lhe arrancar 0,20 kg de carne da nádega esquerda, daí a reacção. Mas o velho invisual não quis sair. Explicou que ele não queria sair naquela paragem, apenas lhe pareceu ter sentido o cheiro do Chanel nº4, fazendo-o precipitar-se contra aquilo que ele esperava ser um belo par de mamocas. Toda a gente no autocarro se riu de tão caricata situação, principalmente quando verificaram que no sangue fresco no chão se encontrava uma bíblia pertencente ao moço. A ironia apenas tornou tudo mais engraçado. Tão engraçado que acabei por sair umas paragens mais cedo, com a distracção de tanto me rir. Ele há histórias giras.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Médio Oriente.

São caladas à chapada
Com os anéis de ouro pagos
Com o seu suor escravo
E nem sequer questionam.

Pregadas à paulada
Por terem olhado com esperança
De um dia puderem caminhar
Como um ser humano.

Ficam caladas, com lágrimas
Presas no coração, em carne viva
Por tantas vezes receber o sal
Do silêncio socialmente estabelecido.

Olham para o céu, resignadas,
Como se o Sol as castigasse
Por terem sequer ousado
Serem mais do que objectos.

Por fim percebo e faz sentido.
Como posso esperar que se revoltem,
Se os animais não falam, grunhem,
E elas estão abaixo deles?

Só posso esperar um corpo negro
De porrada e humilhação,
E uma esperança perdida
No último suspiro livre.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Vingador.

Escondendo as cicatrizes numa ligadura
Sem sentimentos, disfarçando a dor,
Desvia ele o olhar da mãe, com secura,
Ignorando a aura dela, de terror,
Responde-lhe, sem qualquer brandura,
Não te preocupes mãe, eu sou um vingador.

Caminhando pela rua, destemido,
É acompanhado por um leve rumor
Que oferece ao movimento sentido.
Movimento esse, com mais e mais clamor,
Irrompe no fim, com grande alarido,
Vai ali o nosso salvador!

Desembainhando a espada, de punho vermelho,
Aponta a lâmina, com coragem, ao orador,
De madeixas brancas, não diz alho nem bugalho,
Sua de pânico, com as mentiras causando-lhe ardor,
Grita, com a Morte presente no olho,
Apanhem-me depressa este traidor!

O sangue do seu corpo no jardim jorrava,
Nos ouvidos, um ruído silenciador.
Os que sonhavam, diluíram-se como chuva,
Menos uma menina, que com um olhar enternecedor,
Perguntou quem era aquele morto na erva.
Não ligues pequena, é só mais um sofredor.