domingo, 26 de fevereiro de 2012

O teu olhar.

Estou calado. Significa que estou de boca fechada. Não significa que esteja mudo. Foi assim que olhei para o lado, naquele ambiente irrelevante, igual a tantos outros. Procurei a diferença e o bem-estar. Achei o típico e o desagradável. Não desisti. Talvez existissem cantos que ainda não tivesse perscutado bem. Mas não. Nesses cantos só existe pó e cinzas. Pó das retóricas de quem tenta alegrar os outros. Cinzas dos corpos daqueles que neles acreditaram. Pensei, é melhor fechar os olhos. Mal por mal, prefiro não ver do que ter vontade de cegar. Foi nesse preciso segundo, entre a coragem e o desespero, que vi o teu olhar. Durou o infinito da existência. Durou um segundo. Durou todas as palavras que me sossegam a alma. Durou todos os beijos cruzados no nosso passado. Durou todo o nosso futuro. Durou todo o meu coração. Durou toda a tua alma. Durou um segundo. Durou tudo o que tinha de durar. Graças a isso, também o meu olhar continuou a durar. Continuei calado. Tu também estavas calada. Significa que tínhamos a boca fechada. Não significa que não gritássemos a nossa vida um ao outro.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Surrealismo na Foz.

Vejo a linha d'água,
Roubando espaço à areia.
A erva dos montes
Que fecham o meu horizonte
Mantém-se verde,
Apesar do azul do ambiente.

Tento escapar a alma,
Num grito mudo
Quando a pele arrepia
Em busca do sentido
De uma tranquilidade
Que não reconheço.

Pergunto pelo Pintor
Da tela natural
À frente dos meus olhos.
Ele responde-me em amor,
Mas não traduz em palavras
O seu sentimento infinito.

No fundo, a jornada continua,
Com pés de barro quebrado,
Pernas esfoladas e braços ensanguentados.
O coração, no entanto, tem guia.
E enquanto for guiado,
A paisagem não passará disso.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Isto é o que eu sinto.

Tanto tempo perdido,
Olhando o papel,
Com o sentimento escondido
Por dentro da pele,
Onde não sou capaz
De o deixar em paz.

Procuro a melhor justificação
Para o meu sorriso plástico,
Mas não encontro explicação
Para além do meu carácter trágico,
Incapaz de se fortalecer
Naquilo que é o meu anoitecer.

Tento escrever por desabafo.
Mas as palavras prendem,
Por elas sinto embaraço,
Porque elas nunca sentem
A dor que lhes imponho
Ou a alegria do meu fado tristonho.

No fundo, sou apenas representativo
Daquilo em que me constroem.
Dentro de mim está um nativo,
Escondido dos olhares que corroem.
Quem é esse nativo, não sei,
Mas sinto que sempre o odiei.

Cobarde por natureza,
Lacrimejante de primeira,
Quebrado à mínima fraqueza,
Mais sujo do que uma rameira.
Egoísta, arrogante, barco sem leme,
Apresento-vos o verdadeiro Guilherme!

Olho em frente e perco-me.
Não sei a direcção da minha vida.
Recolho-me e cerco-me
Para me proteger do futuro que intimida.
Já não sei o que mais hei de escrever,
Esta dor ainda não consegui esclarecer.

Sei apenas que caminho.
Escondido ou não, na minha cobardia,
Continuo a cair do meu ninho,
Sem perceber se é de noite ou de dia.
A tristeza deixa-me embriagado,
A incerteza torna-me desgraçado.

No entanto não consigo parar.
No entanto tu continuas aí.
Mesmo não sendo uma ode para triunfar,
Tu não arredas pé daí.
Não sei se é teimosia ou loucura,
Mas ganho força na tua ternura.

Ainda não sei o que fazer,
Ainda me dói o coração.
Não parei de me escurecer,
Continuo a rastejar no chão.
Mas a tua companhia alumia
A réstea de esperança que me guia.

É por isso que temo a poesia,
Acabo sempre por exagerar.
Não sei se isto causa maresia,
Ou se me vai engrandecer.
É apenas um pedaço que retirei
Do ser que nunca amei.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O meu avô morreu.

Hoje acordei.
Levantei-me da cama,
Fui lavar os dentes
E passar a cara por água.
O meu avô morreu.

Almocei com fartura,
Saí da minha casa,
Caminhei e falei,
Olhei e respirei.
O meu avô morreu.

Ouvi os lamentos,
Afaguei os cabelos,
Abracei as costas,
Beijei as faces.
O meu avô morreu.

Voltei a casa,
Tirei a minha roupa,
Vesti o pijama,
Deitei-me na cama.
O meu avô morreu.

Não me esquecerei nunca
Deste dia fatídico,
Apesar de não me ter sentido
Vivo, apenas uma marionete.
O meu avô morreu.

Os sentimentos, esses,
Ficaram anestesiados.
Quando um dia passar,
Irão rebentar com a minha força.
O meu avô morreu.

Amanhã, vou acordar
E repetir a mesma rotina,
Que para todos estará normalizada.
Eu nunca mais a verei da mesma forma.
Porque o meu avô morreu.