domingo, 18 de novembro de 2012

Desculpa.

O mais difícil é dizer o que o coração grita. Porque é muito complicado dizer "gosto de ti" quando o olhar que nos percorre o corpo é incerto no objectivo que encerra em si mesmo. Porque é extenuante afastar os medos flamejantes e as lâminas aguçadas dos desentendimentos quando queremos dizer "a tua atitude magoa-me". Porque é grandioso o esforço para levantar a bigorna de 1000 fúrias e iras que nos pressiona ao chão para não dizermos "não consigo perceber o teu ponto de vista". No entanto, é muito fácil sentir a rouquidão do coração, afónico de tanto nos gritar. Rouquidão, que nos arranha as entranhas de tal forma que cada golfada de ar sabe a gás-pimenta. Cada expirar sabe a gás-pimenta. Cada movimento sabe a gás-pimenta. Até não aguentarmos mais e deitarmos fora os resquícios pelos olhos. Sujos, salgados, sentidos, sinceros, silenciosos. Tudo aquilo que uma conversa mal-feita proporciona. O ridículo disto é garantirmos a nós próprios que da próxima vez diremos tudo aquilo que for necessário. Não diremos. Nunca diremos. Porque se fosse fácil, o coração não gritava, sussurraria. Mas para isso, não poderíamos pensar. Assim, talvez não tornássemos em obstáculos imparáveis os medos e as preocupações que nos surgem ao segundo quando temos que falar com quem amamos.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Carta de despedida.

Um dia, perdi-te. Pensei que tinha sido explícito o suficiente quando, ao olhar-te diariamente. te amava sem palavras. Pelos vistos, não foi o suficiente. Bastou um olhar para o lado e é como se nunca tivesses existido. No entanto, continuo a ver-te. Mas não és tu. Serás corpo presente num cenário que pelos vistos não condiz com aquilo que retiras da palavra felicidade. Bem, a vida continua. E com esse arrastar contínuo de momentos e sensações, arrasta-se também o teu desaparecimento da minha memória. Infelizmente, é muito complicado apagar com borracha o que foi escrito a tinta permanente. Usaste-me como uma folha é usada, sem lhe perguntar se deseja ser escrita para todo o sempre. Escolheste escrever em mim, agora decidiste arquivar-me. Tudo bem. Espero apenas que mantenhas essa tua tomada de posição até ao fim dos teus dias.  Porque tal como não escolhi o momento que decidiste ser a minha concepção, espero também que compreendas que não tens voto na matéria ao decidir, sem o teu consentimento, que deixaste de fazer parte do resto do meu percurso de vida. Até a uma próxima vida.

domingo, 6 de maio de 2012

Tristeza.

Eu sou triste.
Sou um pequeno triste
Num Mundo triste.
Entristeço quem me rodeia,
Entristeço-me com quem não está.

Fico triste com o que vejo,
Dá-me tristeza o que não sei,
Entristece-me tudo
E entristece-me o nada.
Tudo me faz triste.

Tão bela que é a minha vida.
Com dores reais,
Das que torcem a alma,
Abrem um buraco no caminho
E sugam-nos para a morte certa.

Tão maravilhosa que é a minha vida.
Com palavras que quebram
As expectativas que me alimentaram
Num talento cuja posse
Não passou de mera ilusão.

Tão gratificante que é a minha vida.
Com lágrimas que não controlo,
Sacrificadas em nome do amor
Que não passou do dicionário,
Que nunca se materializou.

Afinal, sou feliz.
Sorrio diariamente.
Dou gargalhadas.
No entanto, o coração grita:
DEIXA-ME IR EMBORA!

Não o quero ouvir mais.
Por isso digo, em confissão:
Eu sou um triste.
Sou um pequeno triste
Num Mundo triste.


quarta-feira, 11 de abril de 2012

Balada do mentiroso.

Acorda o mentiroso,
Ao sabor daquilo em que não acredita.
Sabe-lhe bem e não é penoso
Olhar para aquela maldita
Imitação de felicidade,
Desprovida de humildade.

Substitui o coração caseiro
Pelo coração da rua,
Olhar caloroso pelo matreiro,
Merda tapada pela vergonha nua.
Afasta-se com um sorriso,
Explicação do mesmo, não é preciso.

Lá fora, onde ninguém o vê,
Pode ser o cavaleiro de outras terras,
O poeta maldito que ninguém lê,
O conquistador de falsas serras.
A conversa soa a verdadeiro,
Dá-lhe prazer o sexo passageiro.

Num raro momento de lucidez
A moral impede-o de lavar a aldrabice.
Mas a ignorância do que fez
Deixa-o manter, orgulhoso, a imundice
Que esconde debaixo das roupas
Adquirida com o esforço de mil garoupas.

Volta a casa com a formatação familiar,
Gritando insultos e ignorando paixões,
Invoca a sua seriedade, de admirar
Pelos que engana diaramente, os parvalhões!
Deixam o amor e essas tretas
Mascarar um belo embrulho de petas!

Deita-se na cama, contente consigo mesmo.
Foi mais um dia em pode ser homem,
Dominou os outros e foi macho a esmo!
Beija a mulher, como sempre, sem
Nunca lhe dedicar a palavra do amor
Que oferece cegamente a outro calor.

Pede, na sua mente, onde ninguém o ouve,
Tranquilidade, pelo menos por uma noite.
Há muito que não se recorda, se é que houve,
Duma manhã onde não se tenha sentido um alcagoite,
Onde, na loucura do sonhado,
Não tenha visto aquilo que faz, como errado!

Não. Provavelmente será só do cansaço.
Descansa, bandido, descansa.
Amanhã, vais precisar do teu carnal inchaço.
Só assim a fera da rua se amansa,
E podes voltar, tranquilo, com a alma distraída,
À mentira a que tu decidiste chamar vida!

domingo, 8 de abril de 2012

Sem sentido.

Apetece-me dizer coisas sem sentido. O Mundo, quando gira, faz cócegas na barriga. Os rios caminham sobre os seus leitos e os peixes tentam-lhes fugir o mais depressa possível. A terra acabada de regar pela chuva é mole e desagradável e seria muito pior se a pisasse sem estar calçado.

A minha barriga vai ficando mais gorda, culpa dos biscoitos que se me apresentam diariamente. As minhas pernas cansam-se de não ter vontade de perder a letargia. Os meus olhos procuram todos os dias no ecrã a resposta às olheiras que os embelezam.

Estou rodeado por belezas de todos os feitios, mas não ligo a nenhuma. Deus é bom e traz-me muitas bênçãos, apesar de quase ninguém crer nisso. Raramente estou sozinho, mas só quando te tenho perto de mim é que me sinto acompanhado.

Isto continua-me tudo a não fazer sentido. O que não deixa de ser curioso, porque é isso mesmo que procuro com muito afinco. Nem que seja o sentido de eu ter querido escrever isto. Porque andar muito tempo sem sentido é semelhante a um computador antes de colapsar e apresentar um erro fatal.


(Gostava de saber escrever sempre coisas bonitas, que fizessem sorrir por estar bem escritas e por serem especiais para todos os que lessem. Nunca mo ensinaram, por isso vou continuar a escrever isto que só eu leio.)

domingo, 1 de abril de 2012

Chuva.

É curioso.
Olho todos os dias,
De forma interessada
E decerto inteligente
Para as gotas da chuva
Que caem à minha frente.

Tenho o problema
Que não passa na cabeça
De quase ninguém -
Praticamente nunca chove.
Por isso mesmo
Isto pode soar a mentira.

Mas não é mais que verdade.
Se eu vejo as gotas
Onde o meu ser
É reflectido perfeitamente,
É porque chove a potes,
Afirmação irrefutável.

Como pode uma pessoa
Que não vê pelos meus olhos
Dizer-me, de forma séria
E exaustivamente deliberada,
Que eu não vejo a chuva
E o meu reflexo nas suas gotas?

Má-vontade e arrogância!
Esses ignaros, de olhos vendados
Com as mãos suplentes
Que nunca utilizaram,
Provavelmente porque não sabiam
Que elas sequer existiam!

Mal têm tempo de perceber
Que o seu Mundo varia
De íris para íris,
Ao sabor da mentalidade
Do coração formado
Pelas dores individuais!

Pois que continuem a duvidar!
Eu cá continuo a ver-me,
Sobrancelhas franzidas
E cara molhada,
Boca mais que salgada,
Bochechas reluzentes!

Não pensem que é com gosto
Que me vejo nas gotas da chuva!
Eu nem aprecio muito este temporal.
Apenas estou numa frente fria,
Vinda da zona Norte da existência
Que decidiu a minha criação.

Aguardo pacientemente
Que este temporal passe.
Estico muitas vezes a mão
A pedir um guarda-chuva
Para não me constipar,
Porque perco-os sempre.

Serei louco por ser o único molhado?
Se calhar a chuva misteriosa
É um sinal da minha insanidade.
Enfim. Será impressão minha.
Continuo a ver a chuva e nas suas gotas,
Eu, na minha existência encharcada.

No entanto, gostava de me ver
Pelos olhos dos cegos
Que me classificam como louco.
Será que teria um corpo tão largo,
Um olhar tão vazio de foco,
Uma barba que teima em não crescer?

Um nariz que torto não se quer endireitar,
Uma testa alargada pelo conhecimento
Que julgo acumular para meu bem-estar?
Um cabelo desalinhado e preguiçoso,
Uma boca arrogantemente sarcástica,
Disfarce perfeito do poeta?

Poeta? Como me posso eu chamar de poeta?
Está certo que escrevo umas linhas,
Às vezes rimam e têm metáforas bonitas.
Mas isto que escrevo, desabafo confuso,
Poderá ser chamado de poesia?
Não sei, nem vou chegar a essa conclusão agora.

A única coisa que depreendo
Deste meu exercício alheio
Às regras impostas pelos idos génios
É que continuo sem respostas a perguntas
Que nunca fiz a ninguém, nem a mim.
E a chuva não parou de cair. Nem sei se parará.

sexta-feira, 30 de março de 2012

O que é ser?

Um dia, houve um rapaz que acordou e viu que não sabia quem era. Sabia o seu nome, sabia o nome dos pais, sabia a idade, sabia onde morava. Mas não sabia o mais importante. Qual era a sua cor preferida, a sua comida preferida, a sua música preferida. Que é o mesmo que dizer que não sabia nada. Decidiu ir perguntar aos pais. Chegou à sala e viu que estava vazia. Quer dizer, tinha uma consola, uma tv, algumas cadeiras perto de uma mesa, um sofá, muita porcaria no chão. Isso lembrou-o que os pais não viviam com ele. Disso ele recordava-se, mas era complicado recolher aquela lembrança. O pai tinha um problema de saúde grave. Tinha um défice extremo na compreensão do verbo fidelidade. A mãe, embora sem défices, perdia aos poucos o sentido da palavra felicidade. Voltou a esquecer-se deles. Era mais fácil e tinha uma tarefa mais complicada em mãos.

Decidiu sair de casa e procurar pela rua quem era. Procurou nos caixotes do lixo perto do seu prédio. Encontrou muita coisa. Mas os preservativos continham sémen que não era o seu. As cascas de banana não tinham sido deitadas fora por ele. As caixas enormes de electrodomésticos não condiziam com o que tinha em casa. Os desesperos monetários, os desempregos crónicos, os oportunismos burocráticos, nada disso lhe pertencia. Parou de vasculhar o lixo quando sentiu um aroma familiar. Andou no seu encalce. Sentiu um caminho abrir-se entre o cinzento da rua. Daquilo que se recordava, aquela rua era colorida. A estrada era amarela. Os postes azuis. As paredes dos prédios verdes. Os passeios vermelhos. As pessoas que caminhavam nela eram como sortidos de bombons, de vários tamanhos e feitios. Compreendeu que provavelmente seria uma memória falsa, daquelas que aparecem quando temos a esperança de que aquilo que vemos é apenas uma mentira cerebral. Apenas via vários tons de cinza. Uns mais escuros, outros mais claros, mas todos cinza. Nem preto, nem branco. Os tamanhos, os cheiros, as texturas. Nem branco, nem preto. Tudo cinza.

Chegou ao parque de onde via o cheiro. Mas não existia lá nada que pudesse ser cheirado. Apenas um homem com uma máscara. Pensou que o cheiro talvez fosse daquele mascarado. Perguntou-lhe, és tu que cheiras bem? Não, esse cheiro é uma alucinação natural de quem se esqueceu de quem era. Como sabes isso? Eu sei tudo, sou um feiticeiro. Senta-te aqui à minha frente, vou fazer-te uma magia. Não posso, tenho que encontrar quem eu sou. Porque tens tanta pressa? Imagina que sou um importante empresário? Posso estar a faltar ao emprego e arriscar-me a ser despedido. Não o és. Como sabes isso? Já te disse, sou um feiticeiro, sei tudo. Agora senta-te aqui à minha frente, vou fazer-te uma magia. O cheiro, entretanto, desapareceu. Foi o suficiente para ele o considerar realmente uma alucinação e ganhar confiança no feiticeiro. Sentou-se à sua frente. O feiticeiro puxou de umas cartas. Elas todas agrupadas pareciam uma só carta. O feiticeiro movia-as de mão para mão, manipulando-as a seu bel prazer. Ora apareciam na orelha, ora apareciam na manga, ora apareciam na boca, ora apareciam no chão. Gostas dos meus truques? Não, não vejo magia nisso, para mim é só cartas a passarem de um lado para o outro. O que tem isso de mágico? Tem muito, é preciso ter-se poderes especiais para manipular desta forma o tempo e o espaço. Se consegues manipular assim o espaço e o tempo, então faz-me sentir seguro. Isso eu não sei fazer. Então faz-me sentir feliz. Também não consigo. Então tu não fazes magia, fazes truques. E isso qualquer um consegue fazer.

Levantou-se para ir embora, mas o feiticeiro agarrou-o pelo braço. Ele não gostou disso e deu-lhe um safanão no braço. O casaco do feiticeiro abriu-se e mostrou um peito nu, feito de cabos eléctricos, de chips, de ferro. Que raio és tu? Já te disse, sou um feiticeiro, todos os feiticeiros são assim. E garanto-te que, com treino, posso conseguir fazer-te sentir feliz e seguro! Sabes o que significa ser-se feliz? Sei, significa sorrir e rir! Sabes sequer o que é amar? Depois de ter dito isso perdeu-se no seu pensamento. Não se lembrava de alguma vez ter ouvido aquela palavra. Enquanto procurava na sua cabeça o seu significado, não ouviu o feiticeiro a dizer que amor era ter as pessoas para si e elas não quererem mais ninguém do que nós próprios. Levantou-se, demasiado intrigado com aquele dilema para se preocupar com o feiticeiro. Ele ainda lhe gritou, não procures o amor! Isso rouba-nos a pele e as entranhas e ficamos sem nada!, mas de nada valeu, ele já não o ouvia. Nem sequer reparou que, ao começar a correr sem direcção, derrubou a máscara do feiticeiro, mostrando outra máscara por detrás da primeira. Enquanto corria, fazia um esforço cada vez mais árduo para perceber que raio era isso do amor. Esse esforço foi todo em vão, porque eventualmente perdeu a concentração. O cheiro tinha voltado, mais forte que nunca.

Olhou para a sua esquerda. O cheiro vinha do cabelo de uma mulher. Perguntou-lhe, és tu que cheiras bem? Não sei, não me consigo cheirar. Ele ficou paralisado. A voz dela fez com que ele parasse no tempo. Percebeu várias coisas. Percebeu que estava despido. Percebeu que não tinha conhecimentos inteligentes para contrariar aquela afirmação. Percebeu que não se conseguia mexer muito. Percebeu que a palavra amor nunca lhe tinha parecido tão real como agora, e no entanto ainda não sabia o que queria dizer. Depois de um tempo que na cabeça de qualquer um teria sido eterno, não tivesse sido só um segundo, voltou a falar. Desculpa estar nu. Não te preocupes, não consigo ver essas coisas. Então que vês tu? Apenas aquilo que é importante. Então que vês de mim? Vejo dois olhos, uma boca, um nariz. Vejo também dois braços, duas pernas, um tronco. Consegues ver quem eu sou? Não, não te conheço, como posso saber que o que vejo és tu? Eu também não sei se é, hoje acordei e esqueci-me de quem era. Vou-te contar um segredo, mas promete-me que não contas a ninguém. Prometo. Eu também não sei quem eu sou. Podemos procurar os dois? Eu não procuro quem sou, não acho que seja importante. Então o que é para ti importante? Isso não te digo já, tens que vir comigo, ouvir-me, aturar-me, suportar-me, agarrar-me, deitar-me, acordar-me, animar-me, entre outras coisas. Só o faço se o fizeres igualmente para mim. Temos um acordo então. Então foram os dois embora. O cheiro continuou a vir do cabelo dela. Ele não reparou que ela, à medida que falava, ia perdendo roupa, até ficar tão nua como ele. Não era isso que lhe importava de qualquer das formas.

A única coisa que lhe importava agora era saber o que era aquele pulsar tão forte que dava vontade de vomitar no seu peito. Não o deixava concentrar-se na procura do sentido da palavra amar. Mas também não o preocupava. Continuaram a caminhar, até desaparecerem naquela rua cinza. Um traço de cor ficou no chão, muito pequeno, a marcar a sua caminhada. No dia seguinte já estava cinza de novo. Enquanto caminhou com ela, nunca mais quis saber quem era. Interessava-lhe apenas saber quem ela era. E assim viveu até ter parado de respirar. Nunca soube quem era ou o que significava amor. Mas nunca mais conseguiu viver sem o pulsar no peito que lhe dava vontade de vomitar.

domingo, 25 de março de 2012

Estudos sobre o amor e a depressão.

Amor é o teu respirar
Embalar a minha atenção,
É o teu aconchegar
Tornar o mundo uma ilusão.

Depressão é rir o dia inteiro,
Para tentar não existir,
É ouvir o seu cantar matreiro,
Sabendo que vai fugir.

Amor é chorar meia hora
E depois jogar às cartas,
É discutir pelo caminho fora
Para perder o sentido às tantas.

Depressão é ser o tabaco
Queimado no cinzeiro,
É sentir cada buraco
Como um tiro certeiro.

Amor é o teu olhar
Repousado na minha boca,
É o mergulho em ti
Numa ansiedade louca.

Depressão é ser amado
E não significar nada,
É escrever um poema calado
Como uma loucura sem entrada.

Não sei se me encontro no amor
Ou se deambulo na depressão.
Conheço apenas o fervor
Com que me lancei na missão

De expulsar a dor compulsiva
De não perceber coisa alguma.
Mas foi uma fraca tentativa,
Acabei por sofrer mais, em suma.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Redenção falsa.

É muito bonito pedir-se perdão. A dor aumenta, a culpa também. Custa viver sabendo que se errou. Mas se não custava durante o erro, porque custa agora? Há erros evitáveis. Uns fazem-se no calor do momento. Quando o cérebro desliga e a boca fala sem rédeas. Esses pedaços de má memória, irreflectidos mas nunca esquecidos. Outros, erram quando tentam desbravar locais para os quais não têm autorização. Sabem que perderão o direito de os olhar se tocarem. Mas a curiosidade é forte demais. Ainda há quem erre 20 e tal anos. No fim, sentem arrependimento e juram não repetir. Porque duas dezenas de anos não serviram para repetição suficiente.

Não procuro clareza textual com isto. Não anseio por lirismo literário com isto. Não aguardo aceitação universal das minhas qualidades escritas. Apenas quero dizer uma coisa. Pede-se muito perdão e muita segunda opinião. Peçam antes juízo e dois dedos de testa. Talvez ajude a perceber que existem erros que são imperdoáveis porque deixam de os ser. Passam a ser crimes. Para isso, não existem segundas oportunidades.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

O teu olhar.

Estou calado. Significa que estou de boca fechada. Não significa que esteja mudo. Foi assim que olhei para o lado, naquele ambiente irrelevante, igual a tantos outros. Procurei a diferença e o bem-estar. Achei o típico e o desagradável. Não desisti. Talvez existissem cantos que ainda não tivesse perscutado bem. Mas não. Nesses cantos só existe pó e cinzas. Pó das retóricas de quem tenta alegrar os outros. Cinzas dos corpos daqueles que neles acreditaram. Pensei, é melhor fechar os olhos. Mal por mal, prefiro não ver do que ter vontade de cegar. Foi nesse preciso segundo, entre a coragem e o desespero, que vi o teu olhar. Durou o infinito da existência. Durou um segundo. Durou todas as palavras que me sossegam a alma. Durou todos os beijos cruzados no nosso passado. Durou todo o nosso futuro. Durou todo o meu coração. Durou toda a tua alma. Durou um segundo. Durou tudo o que tinha de durar. Graças a isso, também o meu olhar continuou a durar. Continuei calado. Tu também estavas calada. Significa que tínhamos a boca fechada. Não significa que não gritássemos a nossa vida um ao outro.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Surrealismo na Foz.

Vejo a linha d'água,
Roubando espaço à areia.
A erva dos montes
Que fecham o meu horizonte
Mantém-se verde,
Apesar do azul do ambiente.

Tento escapar a alma,
Num grito mudo
Quando a pele arrepia
Em busca do sentido
De uma tranquilidade
Que não reconheço.

Pergunto pelo Pintor
Da tela natural
À frente dos meus olhos.
Ele responde-me em amor,
Mas não traduz em palavras
O seu sentimento infinito.

No fundo, a jornada continua,
Com pés de barro quebrado,
Pernas esfoladas e braços ensanguentados.
O coração, no entanto, tem guia.
E enquanto for guiado,
A paisagem não passará disso.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Isto é o que eu sinto.

Tanto tempo perdido,
Olhando o papel,
Com o sentimento escondido
Por dentro da pele,
Onde não sou capaz
De o deixar em paz.

Procuro a melhor justificação
Para o meu sorriso plástico,
Mas não encontro explicação
Para além do meu carácter trágico,
Incapaz de se fortalecer
Naquilo que é o meu anoitecer.

Tento escrever por desabafo.
Mas as palavras prendem,
Por elas sinto embaraço,
Porque elas nunca sentem
A dor que lhes imponho
Ou a alegria do meu fado tristonho.

No fundo, sou apenas representativo
Daquilo em que me constroem.
Dentro de mim está um nativo,
Escondido dos olhares que corroem.
Quem é esse nativo, não sei,
Mas sinto que sempre o odiei.

Cobarde por natureza,
Lacrimejante de primeira,
Quebrado à mínima fraqueza,
Mais sujo do que uma rameira.
Egoísta, arrogante, barco sem leme,
Apresento-vos o verdadeiro Guilherme!

Olho em frente e perco-me.
Não sei a direcção da minha vida.
Recolho-me e cerco-me
Para me proteger do futuro que intimida.
Já não sei o que mais hei de escrever,
Esta dor ainda não consegui esclarecer.

Sei apenas que caminho.
Escondido ou não, na minha cobardia,
Continuo a cair do meu ninho,
Sem perceber se é de noite ou de dia.
A tristeza deixa-me embriagado,
A incerteza torna-me desgraçado.

No entanto não consigo parar.
No entanto tu continuas aí.
Mesmo não sendo uma ode para triunfar,
Tu não arredas pé daí.
Não sei se é teimosia ou loucura,
Mas ganho força na tua ternura.

Ainda não sei o que fazer,
Ainda me dói o coração.
Não parei de me escurecer,
Continuo a rastejar no chão.
Mas a tua companhia alumia
A réstea de esperança que me guia.

É por isso que temo a poesia,
Acabo sempre por exagerar.
Não sei se isto causa maresia,
Ou se me vai engrandecer.
É apenas um pedaço que retirei
Do ser que nunca amei.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O meu avô morreu.

Hoje acordei.
Levantei-me da cama,
Fui lavar os dentes
E passar a cara por água.
O meu avô morreu.

Almocei com fartura,
Saí da minha casa,
Caminhei e falei,
Olhei e respirei.
O meu avô morreu.

Ouvi os lamentos,
Afaguei os cabelos,
Abracei as costas,
Beijei as faces.
O meu avô morreu.

Voltei a casa,
Tirei a minha roupa,
Vesti o pijama,
Deitei-me na cama.
O meu avô morreu.

Não me esquecerei nunca
Deste dia fatídico,
Apesar de não me ter sentido
Vivo, apenas uma marionete.
O meu avô morreu.

Os sentimentos, esses,
Ficaram anestesiados.
Quando um dia passar,
Irão rebentar com a minha força.
O meu avô morreu.

Amanhã, vou acordar
E repetir a mesma rotina,
Que para todos estará normalizada.
Eu nunca mais a verei da mesma forma.
Porque o meu avô morreu.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

3 anos.

Queria tanto ser o homem mais inteligente do mundo. Se o fosse, saberia todas as palavras que existem, todos os verbos que se criaram, todas as frases possíveis. Mas não sou. Existem muitas palavras que eu não conheço, muitos verbos dos quais nunca ouvi falar, nem consigo conjugar todas as frases possíveis.

Mas consigo olhar-te. Consigo tocar-te. Consigo sentir-te. Graças a isso, consigo viver. Graças a isso, a minha incapacidade de ser completa e perfeitamente explícito sobre ti disfarça-se sobre a luz que não paras de derramar na minha alma. Graças a isso, todo o sangue que diariamente derramo pela deterioração da minha infância é guardado dentro do pote onde guardas as minhas mágoas e as substituis pelo teu sorriso e pelo teu aroma.

Não sou o homem mais inteligente do mundo. Nem sei se um dia chegarei a sê-lo. Mas enquanto o nosso amor continuar a ser tão real como a dor da tua ausência, serei sempre o homem mais feliz que poderei ser. E a ti te devo isso. Obrigado Soraia Marques.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Para os meus amigos da outra margem.

É muito fácil escrever. As letras são óptimas para esconder aquilo que o coração nos diz, ou para escarrapachar o que a razão tenta apagar. O melhor de tudo é serem só isso, letras. Toda a repercussão que possa advir da sua utilização é fútil. Todas as letras têm interpretações infinitas. O que ofende um, alegra o outro. Mas nem sempre se pode recorrer à escrita. Pois mesmo que se alargue o máximo possível o texto, um dia ele terá que ser lido ou dito.

Nessa altura, não será fácil falar. Não é o computador, bajulador por natureza, que nos olhará. Quem estará do outro lado são as consequências das nossas letras. E esse é um fardo conhecido por quebrar muitas colunas vertebrais, direitas apenas quando sentadas na cadeira da secretária, em frente ao teclado. Até lá, que continue a saudável argumentação literária.

Porque quando se passar da argumentação para a verbalização, será tudo menos saudável. Porque é impossível escapar aos nossos erros. Porque quando tentamos ser durões a escrever, normalmente somos esmagados quando falamos.

Se um dia falarmos, as consequências serão implacáveis. E não há adjectivos que possam safar. A verdade falará mais alto, pois não existirá papel ou burocracia que a possa enterrar ou alterar.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Gozação com o décimo sétimo algarismo.

Eu e o C.Ronaldo temos muito em comum. Além de sermos portugueses. Bom, se calhar ainda me falta um bocado. Ele é o melhor naquilo que faz. Eu ainda preciso de algum treino para ser o melhor no que faço. No entanto, já consegui por diversas vezes terminar como o elemento mais forte, tal com ele. O problema é mesmo o Barcelona. Se não existisse o Barcelona, seríamos os melhores, sem sombra de dúvidas. Mas graças à sua existência, outros passam-nos à frente com a ajuda de pontes exteriores, de carácter limitado, que apenas aparecem com pedidos externos e dissimulados.

Infelizmente para nós, só podemos contar com o nosso talento. Esse leva-nos até ao topo. Mas não consegue vencer o poder do papel. Esse fala sempre mais alto. Por causa disso, o Real é o 2º melhor e eu também. No fundo, existem ainda poucas coisas que nos relacionam, além dos casos de secretária. Mas existirá sempre algo que nos unirá para o resto das nossas vidas, aconteça o que acontecer.

Ambos perdemos o nosso 17.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Biombo.

Sorri.
Canta.
Assobia.
Pula.
Dança.

A mim não me enganas,
Com as tuas façadas
Mal disfarçadas,
Se é que querias mesmo
Que não se notasse.

A falsidade no sorriso.
O canto sem melodia.
O assobio sem fôlego.
O pulo sem pernas.
A dança sem ritmo.

Encara a escuridão,
Não tentes esconder o olhar
Do monstro que te suga
A felicidade que hoje
Não passa de uma memória.

Em vez de sorrires, range os dentes.
Em vez de cantares, fala.
Em vez de assobiares, respira.
Em vez de pulares, sustém-te.
Em vez de dançares, caminha.

Senão, mais vale chorares
O que te resta do passado
Para que limpes tudo,
Porque o que tu fazes
É o mesmo que morrer.


domingo, 15 de janeiro de 2012

Quero ir embora.

Embora. Ir embora. Gostava de ir embora. Adorava poder pegar em mim e em ti, transportar-nos para outro lado que não isto e ir embora. Desejo ter a força para construir o caminho, para o alcatroar e o direccionar para qualquer lado para ir embora. Quero olhar em todos os eixos cardinais, sem me ofuscar com a luz do Sol que ainda não se levantou, fechar a minha vida na tua mão e ir embora. Imploro por sentir o coração a palpitar todos os dias, com o bater do teu acordar, com o calor do teu olhar matinal que só posso ter quando poder ir embora.

Mas não podemos. Não agora, não já. Mas fica a vontade. A dor da negativa também. O remorso da ida hipotética não desaparecerá. Pelo menos enquanto pensar nisso. Só penso porque sou relembrado todos os dias que ir embora vai custar. A todos, menos a mim. Porque não quero mais ficar. Quero ir embora.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

8 ou 80: 80.

O quarto das emergências,
Cheio de velhos poeirentos.
Ninguém lhes mexia nunca,
Acumulavam solidão nos poros.
E no silêncio a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

Médicos passeavam e dançavam,
De bloco de notas na mão,
Observavam sem conhecer compaixão,
A dor não era com eles, eles eram a cura.
E no silêncio a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

As enfermeiras, de coração mole,
Entristeciam-se de todas as vezes
Com os velhos, mais pela sua ineficácia
Do que pelo abandono que viam.
E no silêncio a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

Uma das abandonadas tentou
Utilizar o que um dia foi vida
Para sair daquele tormento solitário.
Mas logo a travaram, era hora do jantar.
E no silêncio a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

Um homem apercebeu-se de que
A sua alma o tentava abandonar.
Então contorceu-se para impedir a fuga.
Felizmente que os médicos o ajudaram logo.
E na barafunda, a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

Com a alma presa e drogada,
Pôde o coração roncar com tranquilidade.
A velha, que gritava, remexeu-se
Na sua maca suja de dor surda.
E no silêncio, sussurrou ao homem:
Não te atrevas a adormecer.

Enfim, eu estava tratado.
Emergência de uma indisposição.
Levantei-me, acompanhado,
Olhando sempre para o chão.
Não consegui olhar para a velha, calada, que me dizia:
Ai, alguém que me acuda!

Saí dali, e depressa esqueci tudo.
Os velhos abandonados, o homem
Ás portas da morte, a velha
Que gritava. Nunca soube se a acudiram.
Nunca tentei saber o que se passava.
Aposto que não fui o único.