segunda-feira, 28 de março de 2011

Repost #1 - Ai os putos

Numa cela poeirenta, suja e descriminada pelos que lá passaram está presa de livre vontade a infância no meu ser. Guardada, apenas liberta por alguns momentos, mas com bastantes restrições, pois é ilegal na idade dela andar à solta. Por muito que a acesse, não é o mesmo. O tempo mudou-a. Dantes, fazia parte do meu dia-a-dia,com aquela simplicidade aterradora que tornava os meus dias complicados simples como uma conta de somar. Aquela facilidade de conhecimento, com que partia à aventura do desconhecido, sem medo do que poderia encontrar no outro lado, quando encarasse o desafio de conhecer alguém novo. Aquela sinceridade automática, como se o meu corpo estivesse programado para dizer a verdade como num impulso, cada vez que pensasse na aldrabice. Agora, é tudo fragmentos de um cenário substituível, peças de um puzzle desmontado após ter sido terminado ou cristais de um copo quebrado. Estão cá, mas já não são o meu modus operandi. Já não são a regra, mas a excepção. E isso, isso faz o meu coração apertar cada vez que visito essa cela. Pois todos os dias vejo memórias dela, espalhadas por todo o lado, como se de uma caça ao tesouro se tratasse. Ora são imagens dela, colorida, barulhenta e sem preocupações, abraçando-me como se mais nada no mundo existisse, ou vídeos dela correndo, saltando, apertando a minha mão e ajudando-me a percorrer o caminho que ela tão alegremente percorria, ou até mesmo documentos dela, tremidos, despreocupados e simplistas, como as cartas que ela me deixava apregoando a nossa relação tão especial. Mas um dia o tempo acabou para ela. E apesar de relutante, tive que deixá-la prender-se naquela cela, saindo só de vez em quando, quando é permitido ela mostrar-se ao mundo de novo, nem que por uns breves minutos. A minha tristeza, é saber que sei como a libertar, saber que a posso libertar, mas que a relação que tenho agora com o amadurecimento é algo mais satisfatório, que me preenche melhor, que me faz ser quem sou na realidade, impedindo-me, contraditoriamente, de a soltar, pois sei que o melhor para os dois é ela manter-se neste regime de aprisionamento. Embora saiba que o tempo que passei com ela nunca mais será esquecido. Daquelas risadas por tudo e por nada, daquelas brincadeiras tolas, e principalmente daqueles momentos em que, de mãos dadas, percorríamos o caminho que dá para a Vida, esperando que fosse sempre assim. Apesar da saudade, não a libertarei. Somos mais felizes assim. Mas um dia, a minha querida infância libertar-se-á de novo. Provavelmente não me recordarei da última vez que percorri o caminho com ela, nem de quem era dessa vez, mas voltarei a dar-me, e voltaremos a ser felizes os dois juntos. Apesar de amadurecer e envelhecer e morrer e renascer, a infância será sempre uma relação diferente das outras. Sem ela, já me teria perdido há mais tempo. E dou graças por poder visitar a minha infância sempre que posso. E de poder, por instantes, voltar a dar-lhe a mão e correr com ela.

Sem comentários:

Enviar um comentário