terça-feira, 10 de janeiro de 2012

8 ou 80: 80.

O quarto das emergências,
Cheio de velhos poeirentos.
Ninguém lhes mexia nunca,
Acumulavam solidão nos poros.
E no silêncio a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

Médicos passeavam e dançavam,
De bloco de notas na mão,
Observavam sem conhecer compaixão,
A dor não era com eles, eles eram a cura.
E no silêncio a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

As enfermeiras, de coração mole,
Entristeciam-se de todas as vezes
Com os velhos, mais pela sua ineficácia
Do que pelo abandono que viam.
E no silêncio a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

Uma das abandonadas tentou
Utilizar o que um dia foi vida
Para sair daquele tormento solitário.
Mas logo a travaram, era hora do jantar.
E no silêncio a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

Um homem apercebeu-se de que
A sua alma o tentava abandonar.
Então contorceu-se para impedir a fuga.
Felizmente que os médicos o ajudaram logo.
E na barafunda, a velha gritava:
Ai, alguém que me acuda!

Com a alma presa e drogada,
Pôde o coração roncar com tranquilidade.
A velha, que gritava, remexeu-se
Na sua maca suja de dor surda.
E no silêncio, sussurrou ao homem:
Não te atrevas a adormecer.

Enfim, eu estava tratado.
Emergência de uma indisposição.
Levantei-me, acompanhado,
Olhando sempre para o chão.
Não consegui olhar para a velha, calada, que me dizia:
Ai, alguém que me acuda!

Saí dali, e depressa esqueci tudo.
Os velhos abandonados, o homem
Ás portas da morte, a velha
Que gritava. Nunca soube se a acudiram.
Nunca tentei saber o que se passava.
Aposto que não fui o único.

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