quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O balouço.

Andar num balouço tem tanto de divertido como de vertiginoso. As certezas, ao balouçar, passam a ser memórias distantes dum livro abandonado. Desenganem-se os que catalogam o balouçar como brincadeira de criança: é assunto sério e bastante adulto, sublinhe-se. Quando nos encontramos lá, entramos, às vezes sem consciência disso, no subtil paradoxo da viagem de dois sentidos. E o que, inicialmente, se afigura só como um presente aos nossos sentidos, ganha velocidade e ímpeto numa relação directamente proporcional à perda de controlo e domínio que daí advém. No fundo, quando damos por nós, o balouço já descolou, tornando-nos meros espectadores do brinquedo que um dia tentámos, inutilmente, pilotar. Quando se chega a esse estado, só existem, na verdade, duas opções. Ou se salta para o mistério, ou se trava em segurança. O problema está em saber aquilo que realmente queremos. Porque o balouço e tudo aquilo que representa alimenta-se dos binómios que tanto tentamos ignorar até nos despedaçarem, fissuras abertas dum terremoto por acontecer. Custa muito escolher entre parar a brincadeira, esquecer a adrenalina do balouço, voltar ao ponto de partida incólume e saltar para o que não conhecemos, quebrarmos as barreiras do que somos e pelas quais nos regemos, fechar os olhos para não antecipar a inevitável queda. Eu vejo-te, nesse balouço. Balouças a uma tal distância e velocidade que, por muito que queira, não sou grande ou forte o suficiente para te ajudar. Mesmo que o fosse, seria inútil. Quem controla o balouço és tu. Por isso vou continuar, espectador ansioso, a ver-te balouçar. O balouço tem tanto de divertido como de vertiginoso. As certezas, ao balouçar, passam a ser memórias distantes dum livro abandonado. No entanto, há uma que podes guardar. Saltes para o vazio ou pares o balouço, não sairás dele sozinha, estou aqui para te ouvir dizer, eu fiz porque quis.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

As palavras.

Por vezes, a palavra escrita tem mais impacto. Porque, para ser escrita, tem que ser digerida segundo todos os seus sentidos, de forma a que a nossa alma possa ser lida em cada uma das suas sílabas. A palavra falada, no entanto, é exactamente o contrário. Quanto menos tempo levou a ser criada, mais de nós ela encerra. O problema reside quando aquilo que queremos transmitir é, em tudo, contrário ao que não evitamos sentir. Ou porque não temos o dom da falácia, arte soberana das palavras vazias. Ou porque não temos o talento para o silêncio, encorajador duma cadência mais natural e fluida. Ou porque, simplesmente, não mostrar custa mais do que mostrar. Mas o destino é assim. Não é uma via rápida pelos nossos desejos e vontades. Às vezes, podemos, por pressa ou falta de orientação, passar por um lugar onde poderíamos ser felizes. No entanto, a felicidade tem tanto de madrasta como de irónica, pois, tal como uma viagem sem mapa, podemos vir, noutro momento, a reencontrar a terra que um dia achámos igual a todas as outras.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Sou o que precisas que seja.

O momento decisivo
Em que a compreensão
Se tornou realidade,
Esfuma-se nas dúvidas
Criadas pelo oposto
Da minha vontade.

Mas nem por isso deixa de existir.
Mesmo quando o destino
Está pintado numa tela diferente
À que usámos para o criar,
As cores não deixam de ter o calor
Suficiente para nos alegrar.

Mesmo quando as palavras
Contam uma história diferente
Das acções que nos guiaram à confusão,
A força que cada um tem
Não deixa de nos cativar,
Num rodopio de deliciosa ignorância.

Por isso, aqui continuo.
Talvez para ti seja mistério
O que para mim é certeza.
Mas não importa o que julgamos saber,
Pois não ambiciono a mais
Do que aquilo que precisas que seja.

domingo, 25 de agosto de 2013

Carta de amor.

Olá. Acho que nunca te escrevi nada. Pelo menos assim. Mas penso que, com tudo o que passámos, mereces aquilo que nunca te dei. Uma carta de amor. Já estivemos tão apaixonados. Já estive tão pronto a deixar tudo o que me rodeia apenas para poder flutuar nessa confiança, nesse prazer sórdido que me davas. Contigo, sentia-me o rei da montanha. O epitomo dos valores. O líder ideológico duma geração por nascer. Sentia-me mais poderoso do que todos os exércitos, o mais forte de entre os homens, o filho renascido de Deus. Em suma, bêbedo. Porque nunca percebi que me usavas. Para inchares e inchares e inchares. Até conseguires cobrir todas as pessoas que me rodeavam. Todos os sítios que me rodeavam. Tudo o que me rodeava. Assim, só existíamos os dois. De tão embriagado que estava, acreditei que assim era feliz. Mas tu quiseste ser mais ambicioso. Quiseste inchar ainda mais. E houve quem procurasse por mim. Quem perguntasse por mim. Quem olhava para mim e não me via. Porque me cobriste com todo o teu esplendor, criado apenas pelo calor de palavras vazias de acções. Um dia rebentaste. E desapareceste. Deixaste-me completamente nú, num sítio onde não conheço ninguém, onde não consigo andar, onde não me sinto feliz, onde não me encontro, onde sofro. Tudo, para que pudesses chegar aos teus limites. Hoje, tento ser feliz de novo. Mas tem sido tão difícil. Graças a ti, que me expuseste. Por muito que me tente, a cada desafio proposto pelo caminho à minha frente, resguardar-me e parecer alguém completo, não consigo. Porque quando explodiste, explodi eu contigo e agora não sou inteiro e isso nota-se. Sou apenas fragmentos colados à pressa de alguém que se apaixonou por si mesmo. E a cola tem demorado tanto, mas tanto a secar. Tudo por tua culpa. Tu, que tanto amei, sem perceber a cegueira de se amar o próprio reflexo.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Feedback.

Obrigado. Porque me tens acompanhado. Porque o teu timing de entrada na minha vida não podia ter sido mais propício. Porque me tens ouvido e não o fazes calada. Porque falas de ti e não gostas que ouça calado. Porque tens, por personalidade ou gosto, aceite receber todas as minhas inseguranças, amarguras e defeitos. Porque tens, por personalidade ou gosto, retribuído com as tuas inseguranças, amarguras e defeitos. Obrigado. Porque eu penso demasiado, e sempre me martirizei por pensar em pensar demais. Porque tu cedo reparaste nisso e mostraste o teu exemplo, de quem não pensa demasiado e não se martiriza por pensar em pensar demais. E isso, dá-me força e vontade de seguir o teu exemplo. Obrigado. Pelo tanto que me tens dado em tão pouco tempo. Gosto de ti. Gosto de estar contigo. E isso é bom.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Tumulto.

Céu nublado, cinzento. Prelúdio de estabilidade monótona, difusa e confortável. A temperatura ajuda a compor este quadro. Sem cores quentes ou frias, apenas uma escala de cinza que acompanha, de forma sóbria, programada, o engrenar da máquina que nos pede produção. E eu, ao observar este clima que me tenta abraçar nas suas pontas sem virtuosismo, sinto-me oprimido. Porque dentro de mim está o negro. E o branco. E tudo aquilo que fica no meio. Em constante guerra, numa batalha cujo vencedor ainda não é sabido. Dum lado, os grilhões do medo, as correntes da incerteza, as chagas da expectativa, a dor da contrariedade. Do outro, a luz da esperança, o calor da serenidade, o tremor da gargalhada, a poesia do sorriso. Não sei quando terminará o conflito. Mas tento mantê-lo dentro de mim, para não atrapalhar o cinzento da normalidade lá fora, prelúdio de estabilidade monótona, difusa e confortável. Mas como todas as guerras têm o seu momento de viragem, um dia também o campo de batalha será pequeno demais para albergar tanto conflito. Só desejo não acabar como qualquer campo de batalha, abandonado por quem não desistiu enquanto não sobreviveu à custa da vida de outrém.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Tropeçar.

Tropeço. A própria palavra sugere o tropeçar, aliado ao embaraço, obstáculo, dificuldade, falha. Mas se calhar, foste um tropeço diferente. Porque o tropeço que tens sido sugere-me renovação, alegria, brilho, força. Aliás, ao contrário do que o dicionário insiste em dizer-me, não caí quando tropecei em ti. Levantei-me. Um pouco, é verdade, mas levantei-me. Não sei se és apenas um fragmento dum destino que desconheço, ou se és pilar duma casa por construir, mas sei que não és um tropeço daqueles que vêm nos livros. Não sei se este nervosismo constante advém da incerteza da queda, se esta frustração aparente nasce do medo de me aleijar se cair, se esta alegria penetrante existe pela adrenalina de não controlar o meu caminho. Mas sei que quero continuar a tropeçar. Muitas pessoas tropeçam assim, em tesouros. Se é o meu caso, ainda é cedo para saber. Nem me interessa saber. O prazer da ignorância só dá mais sabor à descoberta.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O concerto.

Estar sentado e olhar o horizonte.
Ao lado, sempre ao lado,
A companhia que me ignora
O pedido de socorro nos olhos.

Dentro de mim, um concerto.
Mil trompas anunciando o fim,
Com os violinos a chorarem a dor
De não ouvirem os tenores a suplicar

Pela libertação da sinfonia,
A que me corrompe e corrói,
Passeando-se pela minha imaginação,
Diminuindo e destruindo.

O tempo termina, toque de caixa
Para o sistema novamente.
Baixa-se o som, aumenta-se a intensidade,
Levanta-se o sorriso, está tudo bem.

Outro momento passou,
Outro buraco foi criado,
Até quando serei  veneno,
Até quando recusarei ser antídoto?

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Fugitivo.

Se calhar é só insegurança. Se calhar é só os meus medos a falarem. Se calhar é só esperança. Se calhar é só uma tentativa ridícula de verbalizar aquilo que não pode ser limitado pela compreensão escrita. Do pouco que sei, sei que mete medo. Que me faz suar frio. Engasgar-me quando falo. Ficar envergonhado. Triste. Alegre. Perdido. Encontrado. E isto tudo quando, simplesmente, me mantenho calado, no meu canto, a pensar nisso. E isto tudo quando, desesperadamente, tento colocar esta torrente de informação nova numa gaveta para quando me sentir mais seguro. E isto tudo quando, resignadamente, me perco no raciocínio e nos meus terrores internos por imaginar, por alguns segundos, a Luz, tão natural, tão forte, tão assustadora, que me faz sentir assim. Natural, porque não acreditas sê-la. Forte, porque não imaginas o bem que me fazes com ela. Assustadora, porque a incerteza do amanhã é a maior amarra do hoje.