quarta-feira, 31 de julho de 2013

A pá.

É como uma brisa de ar numa casa que esqueceu o que era ter a porta aberta. São pequenos tremores, minúsculos suores, mínimas incertezas e um rodopio de folhas duma estação diferente daquela em que vivo. À medida que me surpreendo com o magnetismo destas coisas novas a que normalmente chamam "mudança", vou fugindo. Porque ir atrás do compasso pode significar a compreensão de que estou a dançar uma música diferente. E é mais fácil manter-me na marcha lenta, fúnebre, do meu enterro anunciado previamente pela insegurança de voltar a sentir. Já lhe conheço os passos, os andamentos, a estrutura, não tem surpresas, logo não tem desilusões. Por isso, tento fechar os olhos, não sentir o aroma de uma nova aventura, o brilho dourado da esperança... Em vão. Porque a pá com que me enterro pode ser pesada e segura, mas torna-se tão feia quando o arrepio da Primavera me envolve por segundos e me deixa assustado por, em quase ínfimos fragmentos de tempo, sentir vontade de fugir do meu corpo e percorrer, durante o infinito que dura um olhar, esse caminho que não sei se me levará ao mesmo destino do seu criador.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Solteiro.

Não sei lidar com a solidão. Não sei estar sozinho, não sei como reagir ao silêncio. No entanto, aqui estou. Sozinho, calado. É um momento novo, por ter perdido a novidade há muito. Não sei se deva, incessantemente, escavar por todas as areias e ilhas perdidas no meu subconsciente à procura do tesouro que me possa devolver a estabilidade da companhia. Não sei se deva apenas caminhar, de olhos vendados, ouvidos tapados e nariz cerrado, tropeçando em todas as pedras do caminho até encontrar uma que me levante em vez de derrubar. Não sei absolutamente nada. E sinto-me ridículo por ter achado algum dia que sabia. Só sei que a volatilidade da natureza humana é mais forte que a rotina, o previsível, o pragmático, o eterno. Nada é eterno, porque o eterno nunca conheceu o Homem. E quando conhece, é tarde demais, o Homem já se foi, só fica o corpo.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Obrigado.

O dia de hoje está a ser horrível. Porque gostava de me sentir como se estivesse em Outubro. Como se não tivesse descoberto aquilo que me deixa realizado, inteiro. Como se não tivesse descoberto que quem sofre mais com o segredo das suas próprias imperfeições sou eu. Como se continuasse a descartar os meus erros contínuos. Como se continuasse a dar por garantido todos os que expressassem carinho por mim. Como se não tivesse sido obrigado a expôr-me. Mas não. Hoje, sinto-me horrível. Porque hoje é o primeiro dia de uma nova aventura. A que tivemos acabou ontem. O cenário era umas escadas, cheias de todas as gargalhadas, frias das frases de circunstância. O tempo fugia por entre os pontos luminosos no céu, cada um representando as palavras que dissemos, os gestos que tivemos, a vida que vivemos. O ar estava tão respirável como no vácuo. Os corações batiam todos, ao ritmo das conversas sem sentido, sem vontade. Resultado óbvio da auto-defesa que a alma cria quando tem que dizer adeus. A cama estava preparada, à espera de que alguém desse a deixa. Mas ninguém falou. Falou o corpo. Falaram as lágrimas. Falou o silêncio. Agora, fala a mágoa. A mágoa de quem criou laços inesperados, laços que não sonhava poderem ser atados com tanta força, laços que não contava guardar numa gaveta, para a próxima oportunidade. Obrigado por tudo. Graças a vocês, o dia de hoje está a ser horrível. Até sempre.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Troféus.

O reflexo é forte. Dourado, metálico. Refresca-me o corpo. É sólido ao toque, impessoal, sem vida. É esse o meu cenário. Olho em volta, procurando algo mais do que isto. Mas só vejo letras bonitas, apregoando os maiores feitos, as mais valentes vitórias, os mais merecidos méritos. As minhas mãos tentam tactear à minha volta, mas em vão. Estão presas por umas correntes brilhantes, cheias de diamantes falsos, daqueles que brilham só quando não se olha para o seu interior. Tento gritar, até perceber que não tenho voz. Apenas tenho uma melodia constante, sempre no mesmo timbre, na mesma nota, na mesma melancolia. A minha mente tenta assustar-se e reagir. Nesse momento, percebo que não é o Inferno que me rodeia. É o Paraíso que eu criei, para substituir a imperfeição que me trazia calor, palavras mal-escritas e sinceras, cordéis gastos e simples, sons roucos, vindos do interior do coração. A imperfeição que tanto demorei a encontrar e que, por um mundo idílico, tão prontamente aprendi a perder.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Paradoxo.

É uma dança sem fim,
Ao sabor do vento
Da sinfonia do olhar.

Ora quero esconder-me
Na caverna mais lúgubre,
Ocultando o negrume
Dos meus desatinos
E desalinhos,

Ora quero gritar,
Brilhando com a força
Da liberdade intelectual,
Nascida do milagre
Da mudança.

E é nesta dúvida,
Muitas vezes certeza
De uma consciência
Não definida,
Que passeio, em bicos dos pés,
Sem saber para onde ir
Nem muito menos qual o melhor destino.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Distância dos nossos olhares.

A distância entre os nossos olhares é um Universo inteiro. Não porque estejamos longe. Temos é um conteúdo incalculável. De palavras que nunca diremos, de sentimentos que nunca verbalizaremos, de preconceitos que nunca ultrapassaremos. E isso é porque sou cobarde. Porque esqueço as leis da gravidade cada vez que sinto o teu toque. Porque o meu cérebro deixa de funcionar quando estás perto de mim. Porque a necessidade de controlar transforma-se em silêncio de cada vez que sorris. Por tudo isto e muito mais, talvez nunca conseguirei olhar-te nos olhos e dizer que me fazes questionar as minhas certezas, que me dás vontade de ignorar o descanso para ouvir os teus devaneios pela noite fora, que me colocas um sorriso de cada vez que as tuas infundadas inseguranças vêm ao de cima. Gostava de poder ser confiante o suficiente para te proteger das desilusões. Gostava de ser corajoso o suficiente para te mostrar a felicidade. Gostava de te dizer que estou apaixonado por ti. Mas, para isso, terei que ultrapassar a distância entre os nossos olhares. E essa, é do tamanho de um Universo inteiro.