segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fuga.

Vejo-te à distância. Caminhando, um passo de cada vez. Formosa, bela, como nunca o reconhecerás. Vejo quanto do teu passo se atrasa para caminhar comigo. Isso faz-me pensar.

Estarei eu a atrasar-te? A arrastar-te para um tempo que faz o teu corpo ressacar por algo mais avançado? Serei eu a âncora que te mantém no fundo das tuas capacidades?

Não penses que não observo o teu sorriso. Eu faço mais do que isso. Eu sinto-o. Guardo-o no meu coração. Assim, nas alturas de maior aflição, posso recordar-me dele e esperar por tempos melhores.

O problema é quando, com um sorriso, me dizes que tudo está bem. É natural atrasares-te. É normal esperares por mim. É comum chorares.

Deus sabe tudo. E também sabe o quanto te amo. Mas não te sei dizer o que é amor. Será sonhar-te eterna? Ou desejar sofrer pelo teu bem-estar?

Gostava de te explicar num poema o quanto és para mim. Mas percebi que não era capaz. Porque poesia não são as palavras. És tu.

E a poesia é mais bonita quando lida sofrida. Mas neste caso, sei que o poeta não finge. Deus não mente. E como criação dele, apenas reflectes a tua existência.

E é quando vejo esse fosso a aumentar no teu olhar que percebo. Tenho um machado que te despedaça lentamente. Sou eu que te esquartejo aos poucos.

Deus, pelo amor do Teu nome, tira-me este machado. Cura-a dos meus golpes. Une-nos no Teu amor.

Deus, deixa-me amá-la. Deixa-me respeitá-la. Deixa-me ser o que ela necessita. Deixa-me ser eu.

Não me deixes fazê-la fugir.

(Kanye West, Runaway)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Na câmara do rei da montanha.

Olhando para baixo, solene,
Impávido às desgraças
Daquelas pequenas traças

Que esvoaçam histéricas
Debaixo do seu olhar soturno
Está o rei nocturno,

Envolto na escuridão
Do seu pensamento,
Desprovido de sentimento

E desconhecedor de alma.
Para ele, humanizar
É como desventrar,

E no seu interior
Não cabem órgãos.
Todos os que, sãos

De corpo e de espírito,
Se negam a reconhecer
A maldade no seu entardecer

Mais tarde ou mais cedo
Se vêm isolados,
Na escuridão enforcados

Pelas manhas do rei nocturno.
Na sua montanha luz
É algo que não se produz,

Mas os receosos que,
Ignorantes ou loucos,
Fazem ouvidos moucos

À precaução e tentam
Vencê-lo com armas,
Ódio e karmas

São imediatamente corrompidos,
Tornados insectos escuros,
Grotescos e impuros.

Apesar de tudo,
O rei nocturno
Olha, taciturno,

Para o horizonte.
Sabe que o seu poder
Pode, enfim, desaparecer,

Assim que a alvorada se der,
O Sol à vida regressar
E com luz purificar

Todos os corações
Que como uma tela,
Ficaram com uma mistela

Negra, não por fraqueza,
Mas por obediência
À maldade da sapiência.


(Edvard Grieg, In the hall of the mountain king)